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João Barcellos

 

 

 

 

 

O IMPÉRIO DO CAPITÃO AFONSO

 

 

 

 

 

Das Minas & Fazendas
Ao Ato De Conquistar Terras
Embuchando Mulheres Brasis
Pelos Sertões Do Oeste Paulista
Entre O Piabiyu E O Anhamby

 

 

 

 

EDICON

 

 

 

 

 

Introdução

 

 

“[...] Paulistas,
que estimulados do ardor próprio
em zêlo do Rei, entraram na diligência de descobrir
Minas de Ouro, de Prata e de Ferro, e de outros metais,
ou de predarias. Afonso Sardinha, e seu filho do mesmo nome,
foram, os que tiveram a glória de descobrir ouro de lavagem
nas Serras de Jaguamimbaba, e de Jaraguá, em São Paulo,
na de Voturuna em Parnaíba e na Biracoiaba, no Sertão do
Rio Sorocaba, ouro, prata e ferro pelos anos de 1597”

Arquivo da Câmara Municipal de São Paulo [Tit.1600, p. 36 v],
excerto citado por Pedro Taques de Almeida Paes Leme,
no “Notícias Das Minas De São Paulo E Dos Sertões
Da Mesma Capitania”, Vol. X, Biblioteca Histórica Paulista,
Livraria Martins Editôra S.A., São Paulo – 1954.

 

 

 

Do Ato Fundiário
Pela Miscigenação

 

   Os testamentos, os inventários, as atas municipais da vereança paulistana, dizem tudo sobre a conquista do oeste da vila jesuítica pelos sertões à margem do rio Tietê ou do rio Cotia, Piabiyu acima... De um lado, terras de guayanazes, e do outro, de guaranis karai-yos. Se os guayanazes falam de um portinho lá nos confins da nascente do Tietê, os karai-yos falam de um “caminho do Peru” [= “Piabiyu”]. O ideal é ficar a meio caminho entre as duas “entradas”. Homem de visão, Afonso Sardinha, dito “o Velho”, mercador e minerador, depois de ter faiscado e extraído ouro em Cubatão e em Guaru [Guarulhos], sai de Santos para fixar residência na vila de São Paulo dos Campos de Piratininga e logo dá início à conquista do Pico do Jaraguá... Mas, enquanto isso, percebe a importância de “um meio caminho entre as entradas nativas para os sertões” e estabelece fazenda, de criação e de apoio logístico, na região do Ybitátá, autêntica porteira da vila e com acesso para o Tietê, o Pinheiros e o Cotia, rios de suma importância para o abastecimento e para descobrir o continente florestal e minerário. E, do Ybitátá, “o Velho”, resolve dar mais um passo no seu assentamento fundiário para o oeste: adquire a aldeia guayanaz dita Carapocuyba transformando-a em fazenda... Entre as fazendas do Ybitátá e de Carapocuyba instala-se o magno desejo de cumprir a conquista das terras brasis, pois, as suas gentes são parte do ser e do estar Portugal pela aplicação da uma estratégia bélica de segurança: a miscigenação. Iniciada por João Ramalho, no planalto, e pelo Bacharel de Cananéia, no litoral, a miscigenação entre portugueses e americanos da Capitania de S. Vicente é continuada por homens destemidos como Afonso Sardinha que, inclusive, reconhece oficialmente um filho que tem com uma nativa, e ao qual dá o próprio nome, pelo que vem a ser conhecido por “o Moço”.

   Afonso possuía terras em Santos e faz comércio de tudo, incluindo escravos. Quando decide montar casa na vila jesuítica de Piratininga é já um homem poderoso, e isso deixa-o muito à-vontade para se integrar ao Poder político: na Casa da vereança é vereador, almotacel e presidente, e lá mesmo propõe-se “Capitão de Gentes de Guerra” para defender a vila e, ao mesmo tempo, cuidar dos seus interesses rurais e minerários.

   Com “o Velho” Afonso Sardinha toda a estratégia jesuítica para o assentamento de um império teocrático próprio ganha outra dimensão: o apoio político e financeiro. Ele sabe do interesse teocrático, mas também fundiário e capitalista dos jesuítas... A aliança com os padres da Sociedade de Jesus cai como uma luva, porque fazendo-os crescer, cresce também o investimento. No entanto, a par disso, Afonso também faz doações para as outras congregações católicas, como que a dizer “percebam que eu existo além de vós, que me vêem pela assinatura da cruz de três hastes...”. Ele faz das suas parcerias um balcão para a sobrevivência de um “eu” que os outros não conhecem: o eu judaico. Precisa ousar ser-estar além dos outros e assegurar para si uma parte daquele outro Portugal, imperial e colonial. Todo o Séc. XVI é uma odisséia judaica portuguesa no oeste da Capitania de S. Vicente, entre o Bacharel de Cananéia e “o Velho” Sardinha, só para citar dois exemplos. Assim, uma aliança com os jesuítas é uma cobertura mística e econômica: Afonso precisa de espaços, a SJ precisava de escravos e de dinheiro. [Entenda-se aqui por “escravos” também os nativos americanos, uma vez que a doutrina católica determina serem escravos os negros da África e não os nativos da América...]. Com a instalação das fazendas de Ybitátá e de Carapocuyba, o mercador, minerador e político Afonso Sardinha - o Velho passa a deter um poder único: na verdade, ele é um Estado dentro da Capitania de S. Vicente. De tal sorte que se propõe “capitão” [1] em plena assembléia da vereança e a Capitania ratifica a proposta, além de determinar que as minas encontradas e/ou adquiridas e exploradas por Afonso só a ele diziam respeito [2].

   Pode-se afirmar, e eu o faço, que 1592 é o ano decisivo para a concretização do ideal de um outro Portugal nas terras brasis, porque Afonso Sardinha - o Velho passa a comandar, política, fundiária e economicamente, o esforço da conquista do continente pelo oeste ao largo da villa de Piratininga, mandada erguer por Manoel da Nóbrega [3], em 29 de agosto de 1553, o maior interessado na expansão jesuítica para o sul e com os olhos no Paraguay e na Argentina.
Além de minerar ouro e prata, em locais como Cubatão, Guaru, Jaraguá e Byturuna, este português encontra e explora ferro em Byraçoiaba [hoje, Araçoiaba], perto do Byturuna [hoje, Araçariguama].

[Ele é, com certeza, um daqueles portugueses que cresceram vendo “o ferreiro da aldeia lusitana às voltas com a arte de fundir o ferro e convertê-lo em aço, no mesmo estilo do velho celta, que já o fazia antes de Portugal o ser”, como disse, na Sampa de 1999, ao apresentar um estudo sobre a Civilização Celta.]

   Quase sempre acompanhado pelo filho “o Moço” e pelo perito em minas Clemente Álvares, que faz seu sócio, Afonso equilibra a sua vida entre os afazeres agrários do Ybitátá e de Carapocuyba, os afazeres políticos da vereança, e os afazeres da mineração, tornando-se o grande senhor político e capitalista da época [1570 a 1611]; não é de admirar que seja, então, o primeiro grande senhor de escravos africanos e dono, inclusive, de um navio negreiro capitaneado Gregório, filho da sua irmã [4], que vive no Rio de Janeiro.
Ou seja: a expansão senhorial e capitalista de Afonso acontece na mesma proporção em que a SJ se expande em aldeias, fazendas e colégios. Está aberta a conquista do oeste no percurso da primeira Via do Ouro feita por um português nas terras brasis.
Entre as fazendas e as minas de Afonso Sardinha - o Velho, a par da miscigenação contínua, acontece um outro Portugal que carreia já a aventura mameluca na corrida para uma nova nação, e quando os bandeirantes alargam essa rota através do Piabiyu e do Tietê e encontram Araratiguaba [hoje, Porto Feliz], o portinho dos guayanazes, o Brasil acontece... Ninguém acha Portugal, mas tropeça no luso-brasileiro e no luso-afro-brasileiro, logo, a terra dos brasis vira Brasil!

 

 

 

 

 

Do Ato Feudal à Estratégia Capitalista
Que Fez Nascer O Brasil

“12 de Outubro” – Uma Sesmaria Político-Fundiária

 

   O colono português que sobe a Serra do Mar tem conhecimento de duas verdades: ou fica “a-volante”, como descreve mais tarde o Morgado de Matheus [5], ou, com parcos cabedais, estabelece-se no planalto da villa de Piratininga. No caso de Afonso, a realidade é outra: sobe a serra não para se instalar no planalto, mas para conquistá-lo com a mesma fé que o leva a querer possuir o espaço que vislumbra através da menorah [6], símbolo que lhe enche a alma de orgulho.

   Entre 1554 e 56, Afonso faz mineração em Cubatão, ainda na escalada da Serra do Mar, logo acima de Santos, e no topo, em Guaru [7], onde a fortuna lhe sorri. Tal é a sua atitude desbravadora que, em 1557, ganha espaço para escambo [8] com a Capitania de S. Vicente e recebe a região do Ybitátá // Uvutantá [do tupi-guarani, q.s. Terra Roçada  // Terra Socada] em troca da construção de uma ponte sobre o Rio Jurubatuba [9], que deságua no Rio Anhamby [10]. Aí, em 1557, instala a sua principal fazenda, pólo logístico político-militar e de produção agro-pecuária, que lhe é base; e no mesmo ano, amplia o seu poder fundiário ao tomar dos guayanazes a Aldeia Carapocuyba e transformando-a em fazenda com cruz de pátio e capela [supõe-se que a capela é “construída” em homenagem a São João Batista, pois, mais tarde, no sentido de Osasco e Itapevi, a região passa a ser conhecida por “Parada S. João”]; assim, a Aldeia-Fazenda Carapocuyba passa a ser o ponto intermediário para desbravar os sertões de Ypanen, pelo Vale d´Anhamby, e do Piabiyu, pela Aldeia Koty, dos karai-yos.
Com as regiões do Ybitátá e da Carapocuyba nas mãos, Afonso Sardinha - o Velho domina o território que vai servir de “entrada” para as Bandeiras [11] de Raposo Tavares e Dias Paes [o Moço], nos Séc. XVII, além de, a partir do Byturuna, centralizar as operações de logística e de custeio bandeirístico através da Família Pompeu de Almeida [12].
De entre Ybitátá, Carapocuyba, Koty e Byturuna, são estabelecidas as rotas para a conquista do oeste, através do qual o já luso-brasileiro, colono e minerador, galga o continente para configurar a futura nação.
Não reconhecer a estratégia do velho Sardinha é desconhecer o fato político-fundiário que leva a Capitania de S. Vicente a oficializar a Sesmaria de 12 de Outubro de 1580, através do capitão Jerônymo Leitão,, em pleno domínio castelhano do Trono luso!... É o vereador, minerador, capitalista-banqueiro, colono e dono de navio, Afonso Sardinha, o representante de uma família judaica há muito convertida ao catolicismo, e para ele interessa somente o poder de decidir sobre o seu destino, por isso, quer e consegue ter aliados fortíssimos [os jesuítas] na sua empreitada de continuar o trabalho do Bacharel de Cananéia [13] e do colonialmente “deslocado” João Ramalho [14]. Já homem de Poder nos anos 80, aquele que virá a ser Capitão de Gentes de Guerra de São Paulo força, com os jesuítas, uma canetada político-administrativa para preservar os seus bens – bens que os jesuítas já sabem serem seus, por testamento do Casal Sardinha, uma vez que ao mameluco “o Moço” já deixaram parte da herança. Assim nasce, mais para proteção dos “bens” dos jesuítas do que para os de Sardinha, a Sesmaria de 12 de Outubro de 1580. A “canetada”, quando o Piabiyu ainda está oficialmente interditado à circulação de bens e de europeus!, preserva os pólos estratégicos de “o Velho” e, com isso, as rotas pré-bandeirísticas da mineração que estabelecem a primeira Via do Ouro sistematicamente operada por um só empreendedor. Dessa ação de proteção, regiões como Carapocuyba e Koty ficam isoladas e funcionam apenas como paradas: a “parada da Koty” [bandeiras de Tavares e de Paes] e a “parada de S. João” [a ligar todo o sertão carapocuybano], mas mais a Koty guarani do que a Carapocuyba, porque o porto fluvial guayanáz lhe é porta de entrada e de saída, apesar dos guaranis karai-yos...

   E sobre o guarani Karai-Yo lembro o que a professora Fernanda Marques escreveu recentemente, e após ler algumas das costumazes e infelizes afirmações acadêmicas sobre elas

 

Karai-Yos
no Sertam do Oeste Paulista

   “(...) e assim e mandando se façam algumas entradas ao sertão a descer e conquistar muito gentio pagão que ha muitas nações que vivem á lei e modo brutos animaes (...) e principalmente o gentio carijó (...) a esta capitania atemorizando” [1].
É regra, nos estudos acadêmicos, e outros, sobre o “sertam a oeste da villa piratininga”, nos Sécs XVI e XVII, afirmar-se que os nativos tupis (no geral) dominavam a região e muita desgraça causaram aos colonos, civis e religiosos. Entretanto, em leituras atentas sobre as Atas e o Registro Geral da Câmara de São Paulo, pode-se verificar que os nativos que mais obstinadamente se confrontaram com os europeus foram os Karai-Yos [ou Carijós] nativos de Língua guarani, espalhados pela malha de caminhos ancestrais conhecida por Piabiyu.
As principais “entradas” [expedições para-militares] para prear e escravizar nativos foram pela emergência dos ataques guaranis [2] ao planalto piratiningo, onde os jesuítas instalaram o colégio e a igreja. No romance histórico “Gente da Terra” [3], o pesquisador João Barcellos explica magistralmente como se deu essa política colonial que fez de Afonso Sardinha (o Velho) o primeiro caudilho da colônia.

1-   QUADROS, Diogo de [capitão e provedor de minas] –  in “Carta a El-Rei nosso senhor deste anno de 1606”. Registro Geral da Câmara de São Paulo. Suplemento. Volume 7.
2-   Ainda em 1615, de acordo com o RG da vereança paulistana, o político e capitalista, militar e minerador Afonso Sardinha (o Velho), recebeu nativos karai-yos (guaranis) para empregar na labuta mineira, junto com outros nativos e africanos.
3-   GENTE DA TERRA, romance com base em documentos ligados a Afonso Sardinha - o Velho, escrito por João Barcellos, entre 1989 e 2006. Edição Edicon, TerraNova Comunic e Centro de Estudos do Humanismo Crítico  (Brasil e Portugal), 2007

 

   Diante dessa circunstância fundiária, minerária e política, é preciso, agora que estamos no Séc. XXI..., repor a Verdade histórica para que as populações brasileiras de São Paulo saibam o que é a sua origem nos Sécs XVI e XVII, e de como o Brasil acontece através dessa primeira Via do Ouro [15]. Também por esta circunstância, é preciso que se diga que as aldeias-fazendas criadas por Afonso sardinha - o Velho, no Ybitátá, no Jaraguá, no Byturuna [arraial] e na Carapocuyba, não têm sede-casa bandeirística, mas sede-casa de logística rural e minerária, além de serem centros de discussão política, uma vez que os vereadores paulistanos reúnem mais entre si, e em suas casas, do que na Casa piratininga.

   A finalizar, porque os meus livros “Gente da Terra” e “Araçariguama – do Ouro ao Aço” [16] dizem o resto, sublinho que Afonso Sardinha - o Velho desbrava o Oeste Paulista para levar bandeirantes e religiosos católicos aos confins da “Insulla Brasil”, um verdadeiro continente de povos e de riquezas.

 

 

 

Notas

1 No ano 1592 [2 de maio], Afonso Sardinha, o Velho, propôs-se Capitão de Gentes de Guerra para defender a vila dos ataques organizados pelos nativos. O titular da Capitania, governador Lopo de Sousa, assinou a decisão que os vereadores paulistanos logo acataram.

2   in “Atas da Câmara Municipal de São Paulo”, Sécs XVI e XVII.

3  Não por acaso, dito “o bandeirante de Deus”, nas palavras do papa João XXIII, Nóbrega foi a base do ideal teocrático jesuítico e, por isso, deambulou como um guerrilheiro de porto em porto para assegurar a expansão delineada para a sua congregação que, na época, fazia o mesmo na China e no Japão.

4  in Testamento e Inventário de Afonso Sardinha, o Velho [1572].

5  Luis António Botelho e Mourão, capitão-general e governador da Capitania de São Paulo [Séc. XVIII].

6  Candelabro de 7 pontas e velas, símbolo do Judaísmo.

7  Nome tomado dos nativos tupi-guaranis Guaru e, hoje, Guarulhos.

8  Troca de favores político-administrativos com bens públicos.

9 Jurubatuba, tupi-guarani, q.s. lugar de palmeiras; a região, por ter muitos pinheiros do tipo araucária, passou a ser designada pelos jesuítas por Rio Pinheiros.

10 Anhamby // Anhembi, do tupi-guarani, q.s. rio das inhambuis, ave parecida com as perdizes; mais tarde, passou a ser designado por Tietê [grande rio].

11 Bandeira: agrupamento militar de cerco e salteio com origem nas formações árabes e que os portugueses aprenderam a dominar nas batalhas do norte da África; no caso do Brasil, e caso único em São Paulo, a Bandeira tornou-se instrumento empreendimento político-militar na defesa ora dos colonos ora da Coroa.

12 Guilherme Pompeu de Almeida, o capitão e o padre, pai e filho respectivamente, fizeram de Araçariguama, povoado que nasceu após o arraial mineiro de Afonso Sardinha, do Byturuna, o centro de abastecimento quer das bandeiras quer da mineração, no que simplesmente deram seguimento à política traçada anteriormente pelo capitão Sardinha.

13 Um colono judeu português chamado Cosme Fernandes, que dominou parte do litoral antes da formação da Capitania de S. Vicente, tornando-se, entre os anos 30 e 50 do Séc. XVI, o senhor da costa sul do Brasil pelas armas e pelo sexo [miscigenação].

14 Ramalho chegou ao Brasil talvez antes do Bacharel, talvez na mesma época, mas em vez de criar uma situação colonial preferiu integrar-se aos costumes nativos e viver com eles. Daí, foi uma das figuras colonialmente mais deslocadas do processo de dominação da época e, por isso, guerreou contra Manuel da Nóbrega.

15  Primeira Via do Ouro: Cubatão, Guaru, Jaraguá, Byraçoiaba e Byturuna, locais de minas de ouro, prata e ferro, minerados por Afonso Sardinha - o Velho, entre 1554 e 1605.

16  Livros publicados em 2007 em edição conjunta de Edicon e Grupo Granja [São Paulo, Br], Centro de Estudos do Humanismo Crítico [CEHC, Guimarães, Pt], Eintritt Frei [Berlin, De], Jeroglífo [Bueno Aires, Arg] e TerraNova Comunic [São Paulo, Br], além de parceria com a Prefeitura Municipal de Araçariguama..

 

 

 

 

 

 

Livro Um

 

Os Sítios Da Família Sardinha

 

 

 

 

   Com os vários cercos e saques nas
vilas litorâneas – Santos e São Vicente – no início
do período filipino [1580-1640], feitos pelos corsários,
que agiam em nome do Império inglês e contra Espanha,
a maior parte do acervo documental sesmeiro e cartorial
foi destruído e não restou material para estudo direto
sobre as posses do ´velho´ Afonso Sardinha, principalmente
em Santos; material que, como ele mesmo diz em seus
testamentos de sertam, “levaram os inglêzes”.
Sabe-se, entretanto, por documentação jesuítica*,
que ele instalou-se em São Paulo já com posses
substanciais para a época. Mais tarde, perderam-se
documentos muito importantes em enchentes que atingiram
o centro da Villa e, agora, parte dessa História é contada
através de precária documentação familiar.

 

*Anais da Biblioteca Nacional. Volume 82. “Arrendamento que fizerão
os padres da Companhia de Jesus a Afonso Sardinha para um trapiche
em Piratininga” [BN, Rio de Janeiro]. Talvez o primeiro ato mercantil
entre os muitos que levaram o casal Sardinha a ser o principal apoio
financeiro e fundiário para a SJ piratininga.
A mesma informação encontra-se no Registro Geral da Câmara Municipal
de São Paulo, um dos principais documentos da História luso-paulista
e brasileira [Biblioteca da Câmara Municipal, São Paulo].

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fazenda Ybitátá

 

   Conhecida no Séc. XX como “casa do bandeirante”, a casa-fazenda do ´velho´ Afonso Sardinha é, na verdade, um dos primeiros espelhos da nobreza da terra conquistada aos brazis no Séc. XVI, que assenta alicerces imobiliários para dizer de si e do seu Poder dominante. Mas não é, ainda, a era bandeirante, é o primeiro rasgo sertanista e político que vai originar as ´entradas´ necessárias  ao surgimento, em pleno Séc. XVII, do que se convencionou chamar Bandeiras, i.e., corporações para-militares a serviço de caudilhos submissos ao rei de Portugal e que os próprios portugueses aprenderam com os árabes no norte da África, juntamente com a técnica da taipa-de-pilão para construção de moradias.
Construída na técnica do barro socado, ou taipa-de-pilão, a casa-sede tem 350 m2 com 12 cômodos, além de alpendres frontal e posterior. Em meados do Séc. XVIII [1759], e já retalhada em 19 lotes para obtenção de base financeira para os jesuítas, a fazenda passa a ser apenas a casa, que passa às mãos de outros proprietários; no Séc. XX [1938], a Cia. City de Melhoramentos, que efetua a urbanização das margens do rio Pinheiros, doa a Casa para a Prefeitura paulistana. 
Geograficamente na meia encosta da margem do rio Pinheiros, a casa dos Sardinha, construída ca 1557, tem, na época, os fundos voltados para o leito fluvial [e hoje, com a alteração do curso do rio, é margeada frontalmente]. A fazenda original estende-se pelas atuais regiões urbanas da Consolação e do Pinheiros, do Butantã, da Lapa e da Cidade Universitária [Universidade de São Paulo - USP]. 

 

 

Fazenda Jaraguá

 

 

   O famoso pico é o ponto mais alto da cidade de São Paulo: 1135 m. Localiza-se no extremo oeste da Serra da Cantareira, e aqui, no leito do Rio Itaí, após 10 anos de batalhas e carnificinas, Afonso Sardinha - o Velho vem minerar ouro e constrói a fazenda onde morre, em 1616, sendo logo levado para o Pátio do Colégio onde os jesuítas o sepultam como seu principal financiador. [A lápide funerária encontra-se no Museu Paulista, no Parque do Ipiranga sob cuidados da Universidade de São Paulo - USP].
A fazenda é construída ca 1593, já com a exploração aurífera em desenvolvimento, e tida pelo Casal Sardinha como o seu principal mimo imobiliário.
Observando-se a casa da fazenda percebe-se que a família proprietária não é somente uma família financeiramente abastada: a casa é construída à semelhança dos solares portugueses, diferente da casa do Ybitátá, por exemplo, para abrigar quem domina politicamente [n]o planalto paulista e em terreno com visão larga para o oeste a alcançar o Byturuna. A casa da Fazenda Jaraguá tem, então, dois objetivos: ser a sede do Casal Sardinha – Maria e Afonso – e ponto de encontro para os políticos correlegionários de ´o Velho´, tido como o ´senhor´ após vencer os nativos serranos e tomar-lhes as terras.

   Ao contrário do que escreveram alguns estoriadores, a história da Mina de Ouro do Jaraguá é outra: em vez de uma mina que deu pouco ouro, pelo que disseram, dela extraiu Afonso Sardinha - o Velho considerável fortuna. E outras famílias, já no Séc. XVII, continuaram a enriquecer:

 

“Braz Esteves Leme que não foi casado,
porem teve de diversas mulheres do gentio da terra 14 filhos mamelucos
que foram deserdados por sentença em favor dos irmãos deste, dos quais foram,
Pedro Leme e Lucrecia Leme,únicos vivos ao tempo da sentença em 1640,
baseada na nobreza de família, em virtude de que pela lei ficavam excluídos
os filhos bastardos e foram herdeiros os irmãos mencionados,
foi Braz Esteves Leme, muito abastado em bens e possuia grosso cabedal
de dinheiro amoedado e em ouro que extrahiu na então fertil mina de Jaragua,
descoberta em 1597 por Afonso Sardinha.”

   Os testamentos, tanto da Família Sardinha como da Família Leme mostram que a Mina do Pico do Jaraguá foi realmente uma ´mina´ de riqueza durante mais de meio século e ´enricou´ várias famílias.

 

 

 

 

 

Carapocuyba
Fazenda & Porto

 

   No mesmo ano [1557] em que fica, por escambo, com a região do Ybitátá, o Casal Sardinha toma a Aldeia Carapocuyba, praticamente às margens do Anhamby e a meio caminho da Koty. Tempos depois, em 1854, o Barão de Iguape vem a registrar na Paróquia de Cotia [da velha Koty catolicizada por Dias Paes, o Moço], que administra a região do sertam carapocuybano na época, uma fazenda de 754 alqueires que compreende a aldeia Carapocuyba e o lugarejo Quitaúna [onde Raposo Tavares terá casa]. O fato histórico demonstra, mais uma vez, a grandeza da Fazenda adquirida pelo Casal Sardinha e a importância estratégica que ela tem para determinar o isolamento da própria Carapocuyba e da Koty, enquanto regiões de sustento rural e geo-político aos seus empreendimentos, que são também os dos jesuítas e os dos bandeirantes. Entretanto, pode-se compreender que a Koty se desenvolve, ainda como Aldeia de vasto território, à sombra dos assuntos políticos e rurais dos correlegionários de ´o Velho´, uma vez que essa parada guarani começa a dar abrigo a uma política ruralista de apoio aos primeiros avanços coloniais que têm o portinho como referência.

   A sede da fazenda é um quadrilátero que compreende capela e cruz e, por isso, deve-se a ´o Velho´, a sua fundação pela data de 1557. Não existem registros em tombo católico [só a partir do Séc. XVIII], mas supõe-se que a capela é mandada “construir” em louvor de S. João Batista, que dá origem à “parada de S. João”, uma vez que a Fazenda determina tudo o que vem a acontecer posteriormente na região.

   O desenho do primeiro ciclo da colonização luso-vaticana e espanhola nas margens fluviais do Anhamby [Tietê], dominado pelos nativos guayanazes, e no leito sertanejo do Piabiyu [= Caminho do Peru], aberto e dominado pelos guaranis m´byanos, leva a um nome comum a ambos: Afonso Sardinha - o Velho. Injustamente esquecido pela maioria dos historiadores e acadêmicos, portugueses e brasileiros, ele foi o precursor do bandeirismo e da siderurgia a oeste da Villa piratininga.
Na sua estratégia de conquista dos sertões, ele domina os guayanazes da Aldeia Carapocuyba, em 1557, e instala aí a sua segunda sede fundiária entre o Anhamby e o Piabiyu, com ligação ao Jeribatiba. Mas, é só por que quer tomar terra e escravos? Não...
Para elucidar esta questão, eis um pedaço da História que os manuais escolares não contam: “[...] Descendo o rio para [...] São Paulo, tocava-se o sítio de Nossa senhora da Esperança com um aldeamento fundado por Manuel Preto, e que veio a ser depois a capela e povoação de Nossa Senhora da Expectação do Ó; deixava-se pouco mais abaixo, à esquerda, o sítio de Embuaçava, de Afonso Sardinha, e podia-se ir até as primeiras lavouras de Parnaíba, se se não preferisse desembarcar no porto de Carapicuíba, ou entrar pelo Jeribatiba para visitar Pinheiros e mais além Ibirapuera [...]”; um pedaço da História contado por Mello Nóbrega citando Theodoro Sampaio.
O que significa isto? Que para ele, ´o Velho´ Sardinha, a conquista dos sertões exige pontos estratégicos tanto fluviais como terrestres. Dois portos fluviais são de importância fundamental: o do Jeribatiba, onde tem a sua fazenda Ybitátá, e o do Tietê, lá na Carapocuyba. E, na prática colonial, os jesuítas seguem os passos do político e minerador que, ao morrer em 1616, lhes deixa tudo em doação, com exceção do Sítio Embuaçava, que coube como herança em vida ao filho [mameluco] Afonso Sardinha - o Moço, que morre em 1604 no meio de uma batalha com nativos.
É assim que a Aldeia & Porto Carapocuyba têm, entre 1557 e 1610, tanto valor estratégico quanto a Sant´Anna de Parnaíba, que cresce despovoando São Paulo.
Também por isto, e por que os documentos históricos falam por si, é justo dizer-se que a definição sócio-colonial de Carapocuyba acontece com a fazenda-porto que Afonso Sardinha estabelece em 1557, após sitiar os nativos.

 

 

 

 

 

Byturuna
Mina & Arraial-Fazenda

 

   Se em Byraçoiaba [hoje, Araçoiaba da Serra, e também Araçoiabinha] os Sardinha, pai e filho, não se determinam a construir uma nova localidade, apesar de terem aqui iniciado uma mineração mais industrial para produzir ferro em quantidade e qualidade, o que dá assento a um arraial mineiro, o que mesmo assim é o marco-zero para a aventura do povoamento luso-americano na região,  já no Byturuna [hoje, Araçariguama] ele, o Velho, estabelece arraial-fazenda em 1591, e, em 1605, capela em louvor de Sta Bárbara [o arraial-fazenda é depois continuado e ampliado pela Família Pompeu de Almeida].
O arraial-fazenda dos Sardinha é um quadrilátero frente à mina de ouro, e os Pompeu de Almeida vêm a continuar o mesmo formato, segundo as crônicas setecentistas; ja 500 anos depois, vem Carlos Aymar, como prefeito municipal, a visualizar e construir a atual sede da Prefeitura araçariguamense [2007] dando-lhe o mesmo formato, da mesma maneira que o Legislativo e o Executivo determinam a formatação de Araçariguama como Distrito Minerário [2005]. Ou seja: é a continuidade do espírito empreendedor dos Sardinha e dos Pompeu de Almeida. Pode se, inclusive, dizer que ´o Velho´ continua no Byturuna o assentamento em quadrilâtero que havia feito em Carapocuyba... Mas, como judeu que é, o santo ou santa são pormenores menores, embora no caso da mina do Byturuna a escolha de Sta Bárbara seja uma justa homenagem.
Os picos do Jaraguá e do Byturuna são durante séculos as referências geográficas para o empreendedorismo capitalista e a odisséia minerária e colonial, mas o Byturuna tem a vantagem de uma exploração mais longa e por duas famílias que dão sustento aos jesuítas e ao pólo formador do Brasil: o oeste paulista, entre Ypanen e Piabiyu.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Byraçoiaba
Mina & Arraial

Primeira Oficina Siderúrgica Das Américas

 

   Nos campos rasgados [ou, sorocabanos] do oeste, e pelo Piabiyu, ´o Velho´ e ´o Moço´ sobem o morro denominado Byraçoiaba – do Tupi, q.s., ´onde o sol se esconde´ – já com a certeza de encontrarem minério de ferro, pois, a necessidade de utensílios metálicos faz-se presente. Entre 1588, ou 89, quando ´o Velho´ tem conhecimento desse minério, já se determina a instalar, porque é informado da existência de um riacho caudaloso, fornos do tipo que lhe é conhecido: o tipo ´catalão´. É o Vale das Furnas, beijado pela água cristalina de um rio que logo ganha o nome Rio do Ferro, pela importância que tem para o início da siderurgia na América, e não apenas no Brasil colonial.  
Os nativos dominam todo o vale sorocabano a partir do morro Byraçoiaba, mas aqui, Afonso Sardinha - o Velho não encontra resistência que justifique, como no Jaraguá, uma guerra contínua, e em pouco tempo determina o assentamento do arraial mineiro [que deve ter acontecido perto da localidade hoje conhecida como Araçoiabinha, na entrada da Floresta Nacional de Ipanema]. O importante é que a sua ação fundiária determina o surgimento de novas localidades, por isso, é justo se dizer que ele é também o fundador histórico de Araçoiaba pelo arraial mineiro instalado no morro.

 

 

*
Afonso Sardinha - o Velho é um português conhecedor,
primeiro, do processo rústico de tratar o ferro pelo Forno Celta,
pois, nenhum português quinhentista desconhece o valor de uma espada celta
cujo fio de lâmina é uma obra da arte de transformar o ferro em aço,
segundo, da sofisticação do Alto-Forno Catalão, que já utilizam roda d´água
no aproveitamento dos cursos fluviais.
Enquanto nos outros sítios a fundição é a rústica maneira do fole celta,
que já dera origem à gaita-de-fole que a esquadra cabralina
apresentara aos nativos da bahia em folguedo de enamoramento...,
no sítio do Byraçoiaba ele determina-se a executar uma
produção de ferro voltada para uma linha industrial.
E o Forno Catalão gera o início da era siderúrgica na América.
*

 

   Mas, na verdade, o ato siderúrgico de maneira mais industrial acontece após 1592, quando ´o Velho´ é empossado, por sua decisão política junto da Vereança paulistana e da Capitania vicentina, como Capitão de Gentes de Guerra da Villa, uma vez que, recuadas e reunidas nos campos largos sorocabanos, algumas nações nativas ainda investem fortemente contra o conquistador europeu, principalmente tendo o Piabiyu e o Anhamby como áreas de acesso aos pólos catolicizados pelos jesuítas e que, na verdade, nessas áreas estão antigas aldeias americanas.
Nos anos 80 do Séc. XVI só ele, ´o Velho´, tem a informação estratégica e os cabedais para uma aventura fundiária e minerária ao largo da Villa jesuítica, precisamente porque detém fazendas em Ybitátá e em Carapocuyba. E assim, com o posto de ´capitão´, ele tem também a autoridade política para determinar como e com quem vai seguir em frente no seu propósito de capitalização de recursos naturais.

 

 

 

Mina de Ferro de Byraçoiaba
O sítio industrial do poderoso Sardinha

 

Introdução

    Entre 1588 e 89, Afonso Sardinha - o Velho, acompanhado pelo filho mameluco [o Moço], e talvez por Clemente Álvares, cortam o sertam guarani dos karai-yos em busca de ferro e outras preciosidades no Morro Byraçoiaba, dentro da floresta de Ypanema; e logo, em 1597, com o arraial mineiro erguido na localidade de Iperó, aí instalam duas forjas [fornos] do “tipo catalão” – o primeiro engenho siderúrgico da América.

Obs: Entretanto, datação científica de peças no ´Sítio do Sardinha´, no Séc. XX, demonstra que já se minerava de algum jeito no Byraçoiaba a partir da década de 50 [v. Tese da profª Anicleide Zequini, Universidade de São Paulo - Br].

   Afonso Sardinha - o Velho é político, capitalista, e dono do primeiro engenho de processamento de marmelo da Villa de São Paulo dos Campos de Piratininga, produto que exporta diretamente para Lisboa com lucros tão fabulosos como os obtidos com a preação e a venda de guaranis e guayanazes, antes de encomendar a primeira leva de escravos de Angola para as suas minas e lavouras no oeste paulistano, através do sobrinho Gregório Francisco, seu testa-de-ferro no negócio escravagista. Só um senhor feudal com os olhos no progresso econômico da colônia tem a arrogância de ditar leis à Capitania, quebrar protocolos régios, e até comprar favores políticos do Governador... E esse senhor é o “velho” Sardinha. Além disso, ele trata com Bartolomeu Gonçalves [que se presume parente da sua esposa Maria Gonçalves], mestre ferreiro contratado por Martim Afonso de Souza, que monta a primeira forja de ferro no sítio dos Jeribás. E também conhece outro mestre ferreiro, que vira seu sócio: Clemente Álvares. Não se sabe como nem com quem Afonso Sardinha chegou ao Brasil, mas trabalha-se com a hipótese de ter feito parte da comitiva de Martim Afonso de Souza, uma vez que logo se faz notar como colono detentor de posses nas primeiras ações dos padres jesuítas, depois de algum comércio em Santos e S. Vicente, e a sua irmã fica a residir no Rio de Janeiro. É, obviamente – como já tratei em outros livros e artigos [1] –, uma família judaica já convertida ao catolicismo no sul de Portugal. Entretanto, também poderá ter vindo antes da irmã, e até antes da esposa, a abrir caminho para a família.
E então, a turma do Sardinha, corta o sertam guarani pelo Piabiyu, a trilha que leva diretamente da Villa piratininga, ou da Fazenda Ybitátá, e até mesmo da Fazenda Carapocuyba, ambas do “velho”, sabendo da existência de minérios, ora encontrados por grupos expedicionários da Capitania vicentina, que precariamente se aventuram sertão adentro, ora pelas indicações dos nativos; no entanto, ele também sabe que é preciso dominar as populações nativas para se executar uma ação minerária sistemática e, até, importar equipamentos para isso... e então, vê-se obrigado a aguardar por melhores dias para, depois de amansados os guaranis e os guayanazes, dar início à prática exploratória. O que fazer, então? Mercador astuto e político dos mais audazes, ele aplica a sua fortíssima influência político-financeira e faz-se nomear “Capitão das gentes de guerra da Villa”, em 1592. E apesar de o Piabiyu estar fechado, desde 1553 [2], para circulação de portugueses e de bens, por ordem do governador Tomé de Souza, percebe-se que tal proibição régia não vai impedir aquele luso-paulistano de realizar os seus investimentos... É assim que, após cinco anos de combates e muita vista grossa paras as leis da Capitania de S. Vicente, ele instala os sítios mineiros de Byraçoiaba [ferro] e de Byturuna [ouro], e, logo, o do Pico do Jaraguá [ouro]. Deve-se [a]notar que embora seja notável a continuidade siderúrgica no Byraçoiaba, o “velho” deve ter abandonado, ou arrendado o sítio, a partir de 1604, quando o filho mameluco morre em combate no sertão, porque vai aparecer constantemente na mina de ouro do Byturuna, e depois de arrendar ou vender esta a Clemente Álvares, vai morrer na sua fazenda do Jaraguá, como senhor consciente de que fez o que tinha a fazer
Aberta a trilha mineraria a oeste da Villa jesuíta, inicia-se o espírito bandeirístico que vai formatar ideologicamente o Brasil-nação no seu primeiro movimento contra os interesses de Portugal, já dominado pelo Trono filipino de Espanha!

 

Da Mina Ao Sítio Arqueológico

   Estudioso das coisas sorocabanas e paulistas, o prof. José Monteiro Salazar, no Séc. XX [1977], contrata mateiros para vasculharem o desaparecido “sítio do Sardinha” na Floresta de Ipanema. Existem narrativas históricas, principalmente a do linhagista Pedro Taques [da Família Pompeu de Almeida, que sucedeu à de Sardinha nos mesmos investimentos a partir de Byturuna – Araçariguama], mas o sítio – ou a povoação –, isso, não existe. Existiu. Pela generosa teimosia do prof. Salazar sabemos hoje do sítio onde Afonso Sardinha instalou as duas forjas catalãs para processamento de ferro, junto do riacho no alto do morro, e com uma figueira centenária a dar-lhe sombra. As pedras das paredes estão lá, a dizer-nos de meio milênio de história...
A descoberta é uma luz no túnel histórico brasileiro e permite a formação de uma expedição científica para escavação, recolha e datação de objetos da mina que, entre 1983 e 1989, vira sítio arqueológico, e dá origem a “Arqueologia de uma Fábrica de Ferro: Morro de Araçoiaba – Séculos XVI-XVIII”, tese de Anicleide Zequini, com orientação de Margarida Andreatta, da Universidade de São Paulo [USP].
Fragmentos de cerâmica, telhas, artefatos fundidos, louça, etc., encontrados e datados por termo-luminescência, mostram que desde o Séc. XVI, no sítio de Sardinha, no Iperó – Morro Byraçoiaba, é produzido ferro industrialmente por queima de carvão, i.e., observando as técnicas de insuflação de ar e de divisões distintas na construção da planta tal e qual a tradicional planta basca de siderurgia.
O trabalho de busca do prof. Salazar e o trabalho científico-histórico da professora Zequini permitem que o Brasil agrega mais um dado para a sua história primeva iniciada no oeste da Villa de São Paulo dos Campos de Piratininga, sendo o arraial-sítio mineiro do Morro Byraçoiaba, na Floresta de Ipanema, um preciosíssimo objeto histórico. O material coletado está guardado pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente [Ibama] na própria Floresta Nacional de Ipanema e o sítio sob os seus cuidados; o próprio Ibama reproduziu um texto jornalístico de Janete Gutierre que esclarece como “a natureza faz história”, mas percebe-se que ainda é pouco... 20 anos depois!

 

1- Livros: “Gente da Terra”, romance, e “Araçariguama – do Ouro ao Aço”, historiografia. Artigos: jornais “A Página” [Porto/Pt], “O Serigráfico” e “Gazeta de Cotia” [São Paulo e Cotia / Br]. Entre Março e Agosto de 2007.

2- Depois de saber que o aventureiro alemão Ulrich Schmidel atravessou o continente (de Asunción a São Paulo) pela trilha guarani, Tomé de Sousa mandou fechar essa trilha para impedir contatos diretos com os espanhóis. Mas, parece que só ele sabia que a trilha estava “fechada”, pois, Os jesuítas comandados por Manoel da Nóbrega e as expedições de Afonso Sardinha [pai e filho] utilizaram quase diariamente a trilha, como se comprova pela instalação das fazendas Ubytátá e Carapocuyba.

 

 

 

 

Africanos, Engenhos & Minas.

 

 

 

Nos Sécs XVI e XVII, o povo negro da África colonizada
por Portugal é a chave para o domínio dos luso-americanos,
e até os Jesuítas e o Vaticano acham que “negro
pode ser escravo..., selvagem local, não”. No entanto,
o extermínio do “selvagem local” mostra com
quanta hipocrisia é feita a colonização luso-católica.
E os africanos aprendem com esses luso-americanos
(mamelucos, ou não) a misturar o sangue com os
povos locais e com o próprio português, criando
o luso-afro-americano que dará origem ao brasileiro.
Por isso, a mais tarde Nação brasileira será constituída
por maioria de gente de cor, apesar do mando e da elite
de gente branca...

 

 

 

 

1
A natureza migratória, mais íntima aos guaranis [como os karai-yos m´byanos do Piabiyu] do que aos tupis (na sua diversidade étnica: guayanazes, tupiniquins, etc.), a fartura de caça e pesca em meio a uma circunstância de exuberante e paradisíaca hiléia, faz do sul-americano uma pessoa, não indolente, mas agarrada a um modo de viver que não tolera o jugo trabalhista. Quando os portugueses arribam à costa da Insulla Brazil encontram gente fora do enquadramento social e cultural que eles conhecem e têm como tradição; e quando do norte descem para o sudeste, é no litoral entre as depois denominadas vilas de S. Vicente e Cananéia que conhecem, de fato, a vivência naturalíssima desses povos florestais.
Entre 1510 e 1560, aventureiros e desterrados como João Ramalho, no planalto piratiningo onde se encontrava Inhapuambuçu, aldeia dos guayanazes chefiados por Tibereçá, e Cosme Fernandes [o Bacharel], na aldeia tupi dos Maratayama no sopé da Serra do Mar, integram essas comunidades locais, tomam as filhas dos caciques e dão início ao sangue luso-americano. Agem como deuses brancos até à chegada de outros portugueses com o espírito de tomar, em definitivo, a terra desses povos. O fato é que os dois abriram a trilha social e sexual que os coloca no poder e permite a quem chega uma estrutura de boas-vindas que, de outra maneira, não teriam.
Com tal conhecimento das características dos povos florestais, João e Cosme passam aos colonizadores os dados necessários para a formação da mão-de-obra escrava. Mesmo informados, querem assegurar os nativos americanos [e não “índios”, para lembrar a designação dada pelo até hoje desencontrado Colombo...] como peças-de-trabalho para toda a obra. Mas, com a descoberta de minas de prata e ouro, e com o minerador e capitalista Afonso Sardinha [o Velho] à frente dessas informações, logo ali, no Cubatão, percebem de uma vez que com o americano, que já chamam de “negro da terra”, não têm a produtividade desejada, pois que ao americano interessa a sua vida de sempre entre os sertões e o litoral. Que solução para tal problema? Os portugueses são poucos e têm que dividir tarefas administrativas, políticas, militares, agrárias e minerarias. Ora, a solução está na África, bem conhecida de alguns dos portugueses agora na Insulla Brazil: o negro e a negra podem ser o suporte para o lento e pesado trabalho de levantar os engenhos d´açúcar e de abrir as minas. O próprio Sardinha, constitui o sobrinho Francisco Gregório (filho da irmã que vive no Rio de Janeiro) como primeiro capitão de barco negreiro na linha Santos-Angola. Aí começa o império do futuro “capitão de gentes de guerra da villa piratininga”. Mas, já poderoso, a tal ponto que se dá ao “luxo” de solicitar pessoalmente ao rei luso permissão para a empreitada escravocrata, ação tão natural ao colonizador quanto tomar e engravidar nativas africanas ou americanas.

2
O que permite tal ação a portugueses como “o Velho” Afonso Sardinha? Primeiro, a distância das regras sócio-religiosas em vigor no Reino luso; segundo, o poder de mando imediato e regional que têm entre a amizade com os caciques, e o “cunhadismo” livre e gostoso de manterem, assim, um poder mais real do que o do próprio rei..., para quem a Insulla Brazil é uma miragem em mapas e informações de precária rotina institucional.
Enquanto a Inquisição católica inferniza a Península Ibérica [Portugal e Espanha], ela contribui decisivamente para o implemento de uma ocupação ultramarina de visão e de ação judaica – ou seja: do Cosme ao Ramalho passando pelo Sardinha, a Insulla Brazil, a partir do litoral sudeste, é dominada por pessoas às quais as dificuldades abrem horizontes, oportunidades; e como para o judeu não existe vida sem negócio, mesmo quando obrigado a ficar de pé diante de outras profecias, ele encontra entre os americanos e as suas paradisíacas e ricas terras os caminhos (sócio-sexual e comercial) para uma outra “terra prometida”. Os judeus e os cristãos-novos, estes, forçadamente batizados em pé pelos jesuítas e outras milícias místicas vaticanas, transformam a terra que lhes coube como nova morada no “século judaico da colonização”, e até o rei luso negocia diretamente com os ricos banqueiros e empresários judeus concedendo-lhes posses ultramarinas, como no caso de Fernam de Noroña. Estão criadas, assim, as condições que abririam as trilhas para o que depois se consumou com o Ciclo das Bandeiras a partir desta região, mas, elas foram abertas por esse primeiro núcleo de desbravadores e escravocratas, tendo em Afonso Sardinha - o Velho a figura maior da época, e que perduraria, na política, na mineração e na agro-pecuária, até 1616, quando morreu na sua fazenda do Pico do Jaraguá, descendo à terra na capela jesuítica da Villa piratininga com as honras que hoje não lhe são prestadas. Ao perceber a descontinuidade religiosa entre a metrópole e a possessão ultramarina é que a Igreja católica força a Coroa lusa a investir numa ação colonial organizada, até para não perder terreno para os protestantes e os judeus e alargar a contra-reforma, que tem nos jesuítas a única lança cravada além-mar. O que é preciso? Colonizar catolicizando. E os jesuítas têm do colono Sardinha a ajuda econômica e social para esse empreendimento, assim como outras congregações, como se pode verificar nos testamentos do “velho”, pelo que ele mascara-se de “cristão” para obter o que quer: a posse fundiária e o poder de mando, político e econômico. E é este todo-poderoso colono que se decide por importar gente africana para trabalhar nos engenhos d´açúcar e, principalmente, na mineração, além de integrá-la nas jornadas de preação... O judeu mata a fome imediata do precário império jesuítico e, ao mesmo tempo, corta-lhe as asas!
Eis por que não é possível entender a colonização luso-católica no Brasil sem se conhecer este núcleo primário piratiningo que abre os caminhos para os Bandeirantes e, antes, determina a fusão luso-afro-brasileira.

3
A gente negra africana chega ao sudeste brasileiro ainda no Séc. XVI, e de imediato é forçada a operar nos campos, nas minas, na construção civil, nos serviços domésticos e sexuais para civis, militares e religiosos, etc., mas, é uma gente tão culturalmente forte como a judaica... não é como a americana, para a qual o “mundo” é a floresta e vivencia ainda um processo bárbaro de existência. Não. A gente negra conhece já o império escravocrata que também reina na sua África, entre belicosos chefes guerreiros de nações bem organizadas e que não hesitam em trocar negros de outras nações para obter favores dos portugueses, inclusive, negros de linhagem política e religiosa. Esta gente que opera no litoral e nos sertões do sudeste brasileiro é uma gente com costumes sociais e religiosos. O que os colonos lusos fazem por desconhecer, embora saibam disso.
Costumes sociais e religiosos? Ora, é preciso, então, a par dos americanos, catolicizar os africanos, e ainda obrigar os portugueses desgarrados das suas obrigações religiosas a tomarem parte nos cultos. Se para a igreja vaticana tudo é uma nova cruzada, para os representantes do reino a organização da colônia tem, o mesmo sentido... Entretanto, colonos com o poder de mando nas mãos, como Afonso Sardinha, participam da expansão luso-católica, mas não admitem que as suas regras sejam alteradas, pelo que o poder fundiário e “coronelístico” instala-se nas vilas do sudeste através da Capitania de S. Vicente, que não tem como fazer frente a tal realidade social e econômica e, antes de tudo, para-militar, pois que gente como Sardinha comanda milhares de escravos locais e africanos! É o momento em que a gente negra africana conquista espaço, apesar do cerco cristão e da submissão, e cria terreiros para a recriação das suas crenças e da sua tradição social. Impotente diante da manifestação, a igreja vaticana não aceita, mas investe numa diplomacia discreta de fechar os olhos e tapar os ouvidos. E a gente negra começa a tomar mais espaços através dos mamelucos (filhos e filhas de europeus e africanos com americanas), gente nova que aceita o catolicismo e constitui confrarias próprias com rituais sincréticos que, na verdade, não fundem sistemas místicos, mas aceitam-se na diversidade que os mantém vivos.
E então, a gente negra contribui para a formação de uma nova economia colonial e para um novo e decisivo sentido sócio-religioso: a base do ser brasileiro.

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O que acontece nas capitanias de São Vicente e de São Paulo não é obra do acaso, ou unicamente do esforço colonizador português e depois do bandeirante luso-americano: acontece, porque são criadas as condições operacionais e logísticas, a par dos recursos humanos estocados na escravatura de africanos e na preação de americanos. Portugal está mais presente na alma dos colonos do que pela prática administrativa, e é o colono do tipo Sardinha que estabelece, de fato e corajosamente, a regra política que dinamiza localmente o progresso e a instalação da base social ocidental; logo, no estilo e na ação, os Pompeu de Almeida (pai e filho), seguem-lhe os passos a partir da mesma Araçariguama que foi uma das bases do velho Sardinha.
O que acontece faz da Câmara Municipal paulista o eixo ideológico que suporta as políticas privadas de interesses fundiários e minerários do vereador, e às vezes almotacel, Afonso Sardinha; não existe, no momento, espaço para políticas públicas. Eis o quadro que leva o próprio Sardinha a praticamente exigir da Câmara o título de “capitão de gentes de guerra da villa” para defender, não o povo, mas as “gentes de guerra”, que são as suas e as dos seus compadres latifundiários.
A gente negra, no meio de tal quadro político, percebe que os horrores da escravatura podem ser substituídos, um dia, pela idéia de uma nova nação. Por isso, as confrarias de negros religiosos no seio católico aumentam na mesma proporção dos terreiros africanos. Negros e negras sabem, pela experiência na sua África, que impérios se levantam impérios e impérios caem. Resistir é a palavra de ordem, surda e profunda.

 

A finalizar:

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“o velho” Sardinha e o “padre” Pompeu de Almeida estão sob a terra da capela jesuítica do Colégio piratiningo, quando a mistura de etnias e de culturas torna São Paulo na fonte que dirá ao Brasil como se organizar, apesar de estar na Bahia o principal celeiro do ciclo exportador d´açúcar, e, em Minas Gerais, o de ouro e pedras preciosas. É que, se sai da estrutura fundiária paulista o suporte que encoraja a realização bandeirística, também está aqui o suporte logístico que abastece de alimentos e de ideal separatista aquelas regiões.
E então, “[...] a gente negra faz a necessária aferição histórica: 1- a África está longe e os nossos filhos são filhos do Brasil. Em poucos anos, seremos negros do Brasil e não negros da África; 2- apesar da recriarmos as nossas tradições africanas, nunca teremos o poder político e organizacional da Igreja católica; 3- assim, resta-nos resistir e integrar a nova sociedade da qual somos parte como mão-de-obra principal, até que um dia a esperança de liberdade se torne uma realidade social e política, e o Brasil, uma nação de muitas nações [...]”, na observação da artista e professora Tereza de Oliveira em diálogo com o pesquisador João Barcellos [Grupo Granja, 1997].
Entre engenhos e arraiais mineiros, a gente negra da África foi também uma matéria-prima essencial para a colônia Brasil, mas, principalmente, para gerar o Ser brasileiro.

 

 

 

Livro Dois

Afonso Sardinha: O Próprio!

 

 

 

 

 

AFONSO SARDINHA

o Velho

Historiografia Colonial & Minerária

[Inclui: peças de teatro: “Via do Ouro” e “Aqui Nasceu O Brasil”]

 

Introdução

   Rústica e de pura sobrevivência, a economia quinhentista e seiscentista no planalto piratiningo tem base na bravura, às vezes sanguinária, dos colonos portugueses, até por que, alcançado o topo da Serra do Mar, não têm outra alternativa que não seja o avanço sobre as aldeias guayanazes [ou tupis, em geral] e guaranis que encontram no planalto e nos sertões do Piabiyu e de Ypanen. É por isso que entre Santos, S. Vicente e Piratinin [antes da S. Paulo dos Campos de Piratinin], nasce um complexo familiar de oficinas de artesanato de peças para a sobrevivência dos colonos. Entretanto, e “...até à chegada dos jesuítas, em 1554, a principal actividade dos colonos é a de embucharem as mulheres nativas, de preferência filhas de chefes tribais, a exemplo do Bacharel de Cananéia [Cosme Fernandes], e de Ramalho, logo seguidos por Afonso Sardinha e outros cristãos-novos fugidos da Inquisição católica ibérica, pois, no seu entender, é preciso marcar presença sanguínea” [Macedo, 1976]. Um dos mais poderosos colonos de entre os Sécs XVI e XVII é o político, para-militar, mercador e minerador Afonso Sardinha - o Velho, que “negociava com o Reino, a Bahia, o Rio de Janeiro, Buenos Aires e Angola, fabricando e exportando marmelada. Posteriormente, outro Creso da época, o famoso Padre Guilherme Pompeu de Almeida, igualmente produziu milhares de caixinhas de marmelada, que mandava vender em Minas Gerais” [Taunay, 1958]. E pode-se dizer que o grande ciclo luso-paulista se inicia com a abertura de uma nova picada na Serra do Mar, entre S. Vicente e o planalto, na qual já trabalha também o destemido Afonso Sardinha, a colaborar com os jesuítas: é o Caminho de Anchieta.
Instalados na Piratininga, por ordem do padre Manoel da Nóbrega, os jesuítas recebem um apoio de grande relevância: o suporte de Afonso Sardinha, que o dá a outras congregações vaticanas, numa espécie de “mão aberta” incomum, mas que é para ele mesmo de grande valia logística no sonho de chegar às minas dos metais preciosos que tanto escuta nos falares dos nativos. Assim, a expansão jesuítica na Capitania de S. Vicente é feita a par da expansão dos negócios da Família Sardinha, principalmente a de mineração em sociedade com Clemente Álvares, pois, no final do Séc. XVI, Afonso já põe o filho mameluco, dito o Moço, a representá-lo em algumas empreitadas e o acompanha – aliás, a quem repassa a arte da mineração contrariando os seus pares da Câmara municipal paulistana, que haviam determinado que os colonos não poderiam ensinar aos mamelucos [filhos de brancos com nativas] as artes de fabricar peças metálicas, para que essas não chegassem às mãos dos escravos...  Da sua Fazenda Ybitátá à Fazenda Carapocuyba, passando pela Fazenda Jaraguá e o Arraial-Fazenda da Mina de Ouro do Byturuna, além dos arraiais mineiros de Cubatão e de Byraçoiaba, que constitui a primeira Via do Ouro na Capitania de São Vicente, Afonso Sardinha - o Velho, a par da sua atividade de banqueiro [que financia e vive de rendas, a grande atividade judaica] e vereador, é um autêntico imperador nos sertões do Piabiyu [Ybitátá e Carapocuyba] e d´Ypanen [Jaraguá, Byturura e Byraçoiaba], e é dele a maioria das casas alugadas a padres e oficiais do reino em Santos e São Paulo... Obviamente, esse português não chegou pobre à colônia, mas fez dobrar muitas vezes os seus cabedais a ponto de se tornar rei e senhor e exigir abertura política na metrópole para comprar escravos negros d´Angola, enquanto envia anualmente para Lisboa mercadorias em nome da Coroa! 

   Este é o senhor Afonso Sardinha, uma das principais referências da história luso-brasileira no que ao estabelecimento do Brasil diz respeito, nas partes dos sertões da Capitania vicentina, e mais propriamente no oeste da villa de sam paulo dos canpos de piratinin, e desta até Byraçoiaba, onde se abre o caminho para Araritaguaba, o porto [feliz] onde acontecem depois as monções destinadas a bandeirar o Brasil continental.

 

 

O banqueiro Afonso Sardinha

 

Tanto as doações como o crédito concedido
por Afonso Sardinha [o Velho] a religiosos, militares
e políticos da Capitania de S. Vicente, a partir da
Villa de Sam Paulo dos Campos de Piratininga,
entre 1570 e 1612, permitiram o desenvolvimento
fundiário e econômico que abriu as portas
para as ´bandeiras´ e até o salvamento da Villa
do cerco dos nativos anti-colonização.

 

   O que se dizia ser o difícil “fazer o sertam´ em meados do Quinhentos era, simplesmente, desbravar as terras do planalto e além do planalto dominado pelo português João Ramalho, o primeiro a fincar raízes luso-americanas acima da Serra do Mar – a famosa ´muralha´ da costa da ´Insulla Brasil´. Na mesma época, Cosme Fernandes, outro português [também dito Francisco de Chaves por outros historiadores], fazia o mesmo no litoral criando raízes em Cananéia, onde se tornou conhecido para o mundo como ´Bacharel de Cananéia´.
Bravos e inteligentes, tanto Ramalho como o Bacharel souberam, na primeira década do Quinhentos, estabelecer contatos sociais e políticos que lhes permitiram, através do ´cunhadismo´ [casamento com filhas de caciques] uma atividade de escambos e de chefias que, certa maneira, iriam facilitar a vida dos portugueses que chegariam mais de vinte anos depois.
O ´escambo´ [troca de mercadorias, objetos, terras] era a moeda do poder luso-americano inaugurado por esses dois aventureiros – e digo aventureiros, porque eles estabeleceram-se entre os nativos para sobreviverem com eles no âmbito dessa realidade sócio-antropológica forçada pelo desterro. A aventura foi a única maneira que encontraram para se dizerem ´gente viva´ em um meio geralmente hostil a ´gente de fora´.
Um dos homens que chegou ao litoral e circulou por Santos e S. Vicente foi Afonso Sardinha, mais tarde dito ´o Velho´ para o diferenciar do filho do mesmo nome, mameluco [filho com nativa da ´ilha´ de Sancta Cruz] e dito ´o Moço´. Com ´o Velho´ Afonso Sardinha e outros homens é que se inicia o ciclo da ´gente desbravadora´, a par do conceito de ´entrada ao sertam´ inaugurado pelo jesuíta Manoel da Nóbrega, que queria chegar às terras guaranis pelos sertões do Piabiyu, além da aldeia Piratininga, onde vivia o Ramalho.
Para os desterrados era o ´escambo´ a sorte da sobrevida, mas para quem chegava para desbravar a ´ilha´ isso era apenas uma entre as moedas de troca que poderiam favorecer quem as soubesse ´administrar e fazer render´. Logo que desembarcou na terra que ainda era para muitos a ´ilha´, foi Afonso Sardinha um dos raros que olhou em volta e decidiu agir para tirar o máximo proveito da colonização.
A história do capitalismo na ´ilha´ colonizada pelos portugueses a oeste da Cabo Verde, segundo o Tratado de Tordesilhas, é a história de uma dinâmica mais individual do que estatal, embora o Trono imperial estivesse presente em cada uma das facetas que levou à conversão de pessoas e de recursos naturais em objetos/mercadorias, sistema que funcionou tendo base na força militar e o apoio concreto e não menos mercantil da Igreja católica. A dinâmica individual superou muitas vezes a dinâmica estatal, porque foi a ´gente desbravadora´ como Afonso Sardinha que abriu os caminhos para a colonização e a transformação da ´ilha´ em um continente de promessas e de certezas econômicas e sociais. A perspectiva do Trono imperial era somente retirar as riquezas, mas para a maioria dos desbravadores era mais – era ´fazer o sertam´ no sentido de conquistar as gentes e tomar posse das suas riquezas, além de transformar as suas aldeias em vilas portuguesas em torno da capela cristã. O primeiro passo, dado por Manoel da Nóbrega, foi ´subir a serra´ e de lá perceber a grandeza dos sertões cujos paranás levavam ao ouro, à prata e às esmeraldas que a ´gente da terra´ dizia estarem por lá em minas e em riachos.

1
Os anos 80 e 90 do Séc. XVI foram, financeiramente, os mais ´quentes´ do primeiro grande ciclo da colonização luso-vaticana no planalto piratiningo.
Nessa época, o político, minerador, comerciante e escravagista Afonso Sardinha [´o Velho´], fez a sua primeira investida na vila de São Paulo dos Campos de Piratininga negociando a concessão, por parte dos jesuítas, para a instalação do primeiro trapiche de açúcar. E nunca mais parou. Entre financiamentos, empréstimos a particulares, escambos com os jesuítas e com a Capitania de S. Vicente, ´o Velho´ Afonso Sardinha tornou-se o mais poderoso colono da Villa jesuítica.
Das suas atividades de banqueiro destacaram-se os empréstimos a personalidades importantes, entre elas o famoso e seu amigo capitão-mor Jerônymo Leitão, o que é lembrado em um dos seus ´testamentos de sertam´. O seu principal escambo com a Capitania foi a troca das terras de Ybitátá [Butantã] pela construção de uma ponte sobre o Jeribatiba [rio Pinheiros] para um melhor acesso no transporte de mantimentos e de pessoas ao centro da Villa jesuítica. E logo, tornou-se vereador na Câmara e juiz de pesos e medidas [almotacel]. Não era mais e somente o ´colono´, era o ilustre político e dono de terras e de escravos a abrir caminhos para transformar a ´ilha´ em mercado de capitais [entenda-se: agropecuária, escravos e pedras preciosas] altamente rentável para si e para o Trono imperial sediado em Lisboa.

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A principal atividade foi a mineração de ouro, prata e ferro, em diversas localidades da Capitania de S. Vicente, mas, paralelamente, ele desenvolvia as suas fazendas de agropecuária e iniciava trocas comerciais com colonos de Buenos-Ayres e Asunción na esteira dos acordos que mantinha com os jesuítas.
Outro investimento foi feito com Gregório, filho da sua irmã, moradora no Rio de Janeiro: a aquisição de um navio [´negreiro´] para transportar escravos de Angola para as minas de Guaru, de Byraçoiaba e Byturuna, entre outras. À parte a porcentagem destinada obrigatoriamente para a Igreja e a outra para Capitania no final da comercialização de cada ´cabeça´, na chegada a Santos, o negócio rendeu a Afonso Sardinha ´cabedais´ suficientes para ser considerado ´o mais poderoso´ homem da sua época na São Paulo dos Campos de Piratininga. Tanto assim que exigiu e recebeu a patente de ´capitão das gentes de guerra da vila´ para logo ir à conquista do Pico do Jaraguá e abrir em definitivo os sertões guaranis aos [futuros] bandeirantes.

Obs: para a Igreja católica e a SJ os povos nativos da ´insulla Brasil´ não eram considerados escravos, mas gente da terra, enquanto que os negros da África esses sim, esses deviam ser tratados por ´cabeça´ enquanto objetos de alta capitalização na bolsa de valores do mercado escravocrata. 

    Os negócios de Afonso Sardinha, sempre com o apoio da irmã ´carioca´ e da esposa Maria Gonçalves, floresceram entre Santos e São Paulo com pontos mercantis em Angola, Buenos-Ayres, Asunción, Rio de Janeiro e Lisboa.
Entre esses negócios estiveram várias transações que envolveram o cunhado Domingos Pires que, no Rio, fez funcionar a máquina de fazer dinheiro chamada Família Sardinha. Já com o sobrinho Gregório Francisco estabeleceu Afonso o eixo da linha negreira que fez a ´festa´ dos fazendeiros e mineradores espalhados por toda a Capitania vicentina.

O Navio Negreiro dos Sardinha:
o Ouro Negro

   A aposta de Afonso Sardinha, que empurrou a família para o negócio, na comercialização de escravos de Angola, levou-o à aquisição de um navio que viria a ser capitaneado pelo sobrinho Gregório. Ele sabia que todo o comércio de escravos tinha por base a troca de mercadorias ´brasileiras´ – um escambo de grandes proporções que dava aos senhores ´brasileiros´ um retorno imediato e seguro. Exemplo: 3 rolos de fumo [tabaco] pagavam um escravo forte. E a troca era feita diretamente com os sobas [reis tribais] que vendiam seus desafetos capturados. Os portos de Benguela, Luanda e Santos ficaram ligados para sempre nesta parte da historiografia dos Sardinha. Segundo estimativas, entre 1575 e 91 a região angolana viu serem embarcados mais de 52000 escravos.
Obviamente, ´o Velho´ não iria ficar de fora do comércio de escravos, pois, o escravo era o ´ouro negro´ da época que enriquecia as elites européias e os senhores ´brasileiros´. Após a divisão com a Igreja e a Capitania, o escravo gerava lucros fantásticos na lavoura e na mineração, e, depois, também em escambos com outros colonos.
Ao investir parte dos lucros da mineração no comércio de escravos africanos, Afonso Sardinha tornou-se o banqueiro com poderes reais de enfrentar até a Capitania e controlar alguns poderosos com empréstimos estratégicos. A sua ´banca´ política valorizou a economia da época que, apesar do Trono imperial, era uma banca polarizada nos senhores que ousavam ser mais do que um objeto na engrenagem colonial.

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Através da leitura até simples, sem grandes aprofundamentos historiográficos, pode-se constatar que Afonso e Maria arriscaram-se nas suas doações ´beatas´ para as diversas congregações religiosas que se instalavam precariamente na Villa jesuítica. Mas, esse foi o seu maior investimento: a cobertura ideal para esconder a identidade judaica tão simplesmente escancarada no meio da assinatura oficial do vereador Sardinha... a famosa cruz [pela qual muitos falsos pesquisadores pensaram ter achado o “analfabeto” endinheirado e o ´fato´ político para o fazerem esquecer nos manuais escolares]. E se alguém sabia quem era o Casal Sardinha esse alguém era uma instituição – a SJ, que recebeu fartas doações e ainda lhes serviu de mortalha oficial.
A sua parceria com os jesuítas, contemplados em testamento com terras [incluindo a aldeia-fazenda e portinho fluvial Carapocuyba], minas, dinheiro e escravos nativos e africanos, teve mão-dupla, i.e., a SJ recebia apoio logístico e financeiro na sua expansão para o sul guarani enquanto a Família Sardinha garantia o seu ´lugar ao sol´ nos bastidores do Poder colonial, com exceção para o filho ´o Moço´ que, por ser mameluco, não tinha direitos assegurados face às leis, embora tenha sido contemplado em testamento com ´tapera e terras´.
A astúcia e o conhecimento dos bastidores políticos e militares fizeram de ´o Velho´ uma quase lenda viva, de tal sorte que em torno dele gravitaram famílias inteiras [Pires, Leitão, Lemos, Raposo, etc.]; e parte dos religiosos que estabeleciam o seu ministério em Piratininga, e em Santos, moravam em casas alugadas por ele, assim como os advogados que começavam a tecer por ali a teia judiciária.

 

   Carapocuyba
Um exemplo de investimento estratégico
na Economia Política da Família Sardinha

   Várias considerações podem ser feitas sobre a tomada da aldeia-porto Carapocuyba [´carapicuiba´], entretanto, a mais importante é a que relaciona a logística pré bandeirística com o desenvolvimento agropecuário e de utilidades diversas [tecelões, oleiros, ferreiros, etc.] na região oeste.
Ele sabia que através de Carapocuyba poderia fazer a ligação Anhamby-Jeribatiba e que aquela aldeia guayanaz ficava no extremo da sua fazenda Ybitátá. Conquistar a aldeia e portinho fluvial Carapocuyba tornou-se crucial para o desbravador e investidor Afonso Sardinha. De um golpe só, ficou com a ligação fluvial mais importante do planalto e, através da mesma Carapocuyba poderia negociar com os guaranis da Koty, que ficava próxima e era entroncamento do Piabiyu para o interior dos sertões.
Um investimento de estratégia econômica, política e militar. Era o conceito de economia política que o fazia agir por um progresso localizado a servir um todo planejado. Afonso não era apenas o animal capitalista, era também o colono que pensava em como demarcar o espaço desbravado e permitir o progresso no entorno.
Desse ideal de assentamento planejado é que o oeste piratiningo, entre a Carapocuyba guayanaz e a Koty guarani passando pela Itapecerica de vários povos nativos e colonos, veio a desenvolver uma agropecuária de sustentação à colonização pré bandeirística.
Assim agiu e se estabeleceu o banqueiro Afonso Sardinha - o Velho, para dimensionar a sua estratégia de Poder colonial de mãos dadas e às vezes paralelamente à Capitania de S. Vicente, ou seja, ao Trono imperial.
Esquecer a contribuição importantíssima do banqueiro Afonso Sardinha - o Velho no desenvolvimento do Brasil, a partir do oeste piratiningo, é esquecer a História luso-brasileira e americana!

ALENCASTRE, Luiz Felipe - O Trato dos Viventes: Formação do Brasil no Atlântico Sul. Companhia das Letras, São Paulo, 2000
BARCELLOS, João - Gente da Terra, romance histórico, Ed Edicon, São Paulo, 2008.
BARROSO, Gustavo - História Secreta do Brasil. Editora Nacional. 3 vols.
HORTA, José da Silva - Evidence for a Luso-African Identity in ‘Portuguese’ Accounts on “Guinea of Cape Verde’ (sixteenth-seventeenth centuries)”, History in Africa, 2000.
SANCHES, Antonio Nunes Ribeiro - Christãos Novos e Christãos Velhos em Portugal. 2ªed., Porto, Paisagem, 1973.
VERGER, Pierre - Fluxo e Refluxo do Tráfico de Escravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os Santos dos Séculos XVII a XIX. Bahia, Corrupio, 1988

 

 

 

Tábua Historiográfica

[Estudos realizados entre 1991 e 2007, no Brasil,
finalizando leituras de 1975/76, em Portugal.]

 

1553
Após verificar que vários aventureiros, entre eles U. Schmidel, fazem o percurso continental do Piabiyu [na verdade uma vasta rede de comunicações terrestres e até fluviais] e mantêm relações com nativos hostis e com os espanhóis, o governador Tomé de Sousa manda fechar o velho caminho guarani... que nem os jesuítas nem ´o Velho´ Sardinha acatam informalmente.

ca 1555
Atua em S. Vicente e em Santos e faz negócios, inclusive, com os corsários ingleses que, por duas vezes, atacam e saqueiam Santos, principalmente com Cavendish.
É dono de navio[s] em Santos, segundo documentos históricos da Torre do Tombo, em Lisboa, o que demonstra: 1º, que o judeu Gregório Francisco faz a linha Angola – S. Vicente não como dono de navios negreiros, mas como sócio ou capitão a serviço de Afonso Sardinha, e 2º, que este desembarcou na “terra dos brazis” para ser desde logo um poderoso colono nas artes de financiar e viver de rendas, o que faz jus ao histórico de judaísmo convertido ao cristianismo da Família Sardinha da província do Alentejo, no sul português.

1555 a 1557
Atua com os jesuítas na construção do Caminho de Anchieta, paralelo ao Caminho dos Tupiniquins, na Serra do Mar. A nova picada serve os interesses coloniais dos portugueses, mas também a visão sulista dos jesuítas preocupados com a própria expansão territorial ao longo da Linha de Tordesilhas, já um enfeite diplomático.

1557
Recebe a vasta região de Ybitátá em troca [escambo] da construção de uma ponte no Rio Jeribatiba para escoamento de mantimentos essenciais à Villa, e aqui constitui fazenda.
Toma a Aldeia Carapocuyba dos guayanazes e instala nela Fazenda & Capela aproveitando-se do porto fluvial, tornando-se assim o fundador da Carapocuyba luso-católica.
Na região carapocuybana ele trata apenas de atividades rural e escravagista para alimentar as suas gentes e sustentar a azáfama da semeadura e colheita, respectivamente.
Amigo e financiador dos padres jesuítas, assim como de várias capelas de outras irmandades católicas, faz circular escravos nativos [guayanazes, tupinambás e karai-yos] entre as aldeias que circundam a Villa Piratininga em defesa para-militar da mesma, porque a maioria dos ataques surge do sertam do Piabiyu, pela região da Koty guarani, fechada por decreto imperial à circulação de gentes e bens.

1570
Tem engenho de cana d´açúcar em Santos e monta o primeiro trapiche [depósito] de açúcar e pinga da Villa piratininga. Paralelamente ao comércio de açúcar, monta engenho para processar marmelos e torna-se um dos mais ricos comerciantes de São Paulo.
Tanto no litoral como no planalto tem casas que arrenda a padres e aos primeiros advogados que chegam à colônia. É o judeu por excelência que vive de empreendimentos e de renda.
Nos anos 70 é o colono mais poderoso da Capitania de S. Vicente acima da Serra do Mar e dá-se ao luxo de financiar a expansão dos jesuítas para o sul, a partir do oeste paulista.
Conhece o prático-minerador Clemente Álvares e estabelece sociedade com ele, pela qual financia a busca de novas minas de ferro, prata e ouro.

 

1580
A Importante Sesmaria de 12 de Outubro

   Sabendo da existência de ouro no Pico do Jaraguá, tenta a mineração, mas é impedido pelos nativos, e só depois de 10 anos de guerra consegue a extração do metal precioso, além de instalar no local um arraial-fazenda.
A pedido dos jesuítas e de políticos poderosos como Afonso Sardinha - o Velho, o capitão Jerônymo Leitão, da Capitania de S. Vicente, que possui fazenda em Barueri, perto da Fazenda e Porto de Carapocuyba, determina a doação de uma Sesmaria aos Índios do Pinheiros e de S. Miguel de Ururay, em 12 de Outubro de 1580. A canetada político-administrativa visa assegurar os direitos dos jesuítas e dos colonos luso-paulistas em termos de terras, negócio rural e mineiro, quando a Espanha toma para si os destinos de Portugal. A sesmaria dupla, a formar um feudo enorme, tem base nas fazendas de Ybitátá e Carapocuyba e daí toma os cursos do Jeribatiba [rio Pinheiros] ou do Anhamby [rio Tietê], dependendo da jornada a empreender.
A sesmaria-dupla é um território imenso e as aldeias nativas, ainda sem capela, ficam enquadradas assim no mapa colonial português... apesar de Castela!

 

1585
Faz parte da expedição do capitão Jerônymo Leitão para combater os nativos karai-yos. Ele e o capitão entendem-se muito bem politicamente e têm vários negócios em comum.

1587
Em parte do Rio Jeribatiba, na Serra do Cubatão, faz mineração de ouro e de ferro.

1587-88
Com indicações dos escravos nativos, parte com o filho [´o mameluco´, ou ´o Moço´] e Clemente Álvares para a região do sertão da Floresta d´Ypanen e descobre ferro no morro de Byraçoiaba, onde vem a instalar fornos do tipo catalão para a iniciar a primeira produção industrial siderúrgica do continente americano a partir, talvez, de 1596-97.

1590
Apesar de existirem ações minerárias na Aldeia Guaru, dos guayanazes, na Serra de Jaguamimbaba, é ele quem opera aqui a maior exploração de ouro.
Manda vir de Angola a primeira leva de escravos para as minas de ferro e de ouro. A encomenda é feita ao mercador judeu de escravos Gregório Francisco, seu sobrinho, com navio de carreira entre Angola e S. Vicente.
Envia regular e anualmente mercadorias para Lisboa em nome da Coroa. É o colono mais poderoso da Villa e do sertão paulista.

1591
Sob indicações dos nativos guaranis e guayanazes, nos campos de Sorocaba, o capitão Belchior Carneiro encontra veios auríferos no Morro do Byturuna, na aldeia guayanáz. Como a Coroa lusa, desde 1580 em mãos dos castelhanos, não faz mineração própria, as minas achadas vão a leilão oficial, e aí, Afonso Sardinha - o Velho arremata a Mina dos Arassarys, no Byturuna, e inicia a mineração com o filho e com Clemente Álvares.

1592
Faz o seu primeiro testamento [13 de Novembro], junto com a esposa Maria Gonçalves, no qual descreve uma grande fazenda sita na região da Parnaíba, que é a do Byturuna [mais tarde adquirida pela Família Pompeu de Almeida e depois doada aos jesuítas]. No registro, o casal fala das várias capelas e igrejas que mandou ´fabricar´, ou subsidiou, e nisso demonstra que não tem santos de devoção própria... é uma atividade puramente social que lhes encobre a identidade judaica.

 

 

Afonso Sardinha

Indicado como Capitão das Gentes de Guerra de São Paulo
na Câmara Municipal paulistana e na Capitania

 

   No ano de 1592, diante do perigo de mais ataques de guaranis [karai-yos] e de tupis [guayanazes] à Villa Piratinin, os vereadores solicitam ao capitão Jerônymo Leitão, da Capitania de São Vicente, providências urgentes. Devido à demora das mesmas, e porque Leitão está em guerra contra os nativos nas bandas do sertam da Parnaíba, acontece um fato político de grandeza política e para-militar:

“[...] Aos dous dias do mes de maio do dito anno
os offiçiais da camara
se ajuntarão nela e ai aprezentou afonso sardinha
hua provizão de capitão da gente desta villa
e seus termos e requereo aos ditos offiçiais q a mãdasen
registar e elles asentarão q se esperase pelo
snõr capitão q estava de caminho [...]”.

   Amado e odiado ao mesmo tempo, enquanto banqueiro e sertanista destemido, Afonso Sardinha é, na última década do Quinhentos, a pessoa mais indicada para resolver a problemática da defesa da Villa. Ele é a essência da “piratinin villa do sertam, onde só segue adiante quem comanda e não é comandado [non ducor, duco]”. Ele sabe disto e apresenta-se no Conselho com uma proposta de defesa. Sabe, também, que nenhum outro poderoso luso-paulista tem a autonomia financeira que lhe dá a liberdade autocrática de decidir por si mesmo [bem no conceito creso das políticas privadas que se fazem pelas públicas]: ele e só ele é a salvação das gentes da villa, e as gentes também sabem disso. Os vereadores não querem fazer o registro da petição de Afonso Sardinha de imediato, mas é o povo que pressiona e, tendo em vista a ´voz de deus´, escrevem na mesma ata:

“[...] pois afonso sardinha era home pª isso
como o dizia a maior parte deste povo [...]”.

   Sem dúvida, o velho senhor luso-paulista enfrenta oposições, tanto de políticos como de outros sertanistas, mas ele é o mais livre dos poderosos locais... e o mais poderoso, tanto que é “dono de navios em Santos”, como está nos documentos “Papeis do Brasil” guardados na Torre do Tombo, em Lisboa.

 

Obs
As atas da Vereança paulistana mostram outra verdade histórica: ao contrário do que afirmam alguns historiadores [?] e até um dicionarista, o mameluco Afonso Sardinha - o Moço jamais poderia ter usurpado o lugar de o Velho, porque o regimento impedia que mamelucos tivessem acesso a cargos institucionais, quanto mais a comando em armas...! Por outro lado, o Registro Geral demonstra que quem recebeu o título de ´capitão´ foi o Velho e não o Moço, o que derruba qualquer tipo de estória sobre o assunto...
No testamento, redigido antes da sua partida para o sertão, e que passou para o Cartório de da Tesouraria da Fazenda de São Paulo, no Séc. XIX, o Velho fala das suas coisas, do seu cargo de Capitão e do filho mameluco, o que põe um ponto final na questão. Também o linhagista Pedro Taques, no seu “Notícias das Minas...”, contribuiu para a confusão de posições entre os Sadinha, pai e o mameluco.

 

   Após o agito político na Vereança, em 2 de Maio de 1592, é ratificada a decisão popular em favor do político, desbravador da Via do Ouro, e banqueiro, em 20 de Setembro:

“Traslado de uma provisão de Affonso Sardinha
de capitão desta villa de São Paulo.

[...] Jorge Corrêa capitão e lugar tenente [...] faço saber
[...] que havendo respeito aos muitos serviços que Affonso Sardinha
tem feito a esta capitania e pela confiança que delle tenho
hei por bem de o encarregar de capitão da gente da villa
de São Paulo e seus termos [...]”.

 

E ainda no mesmo ano:

 

“[...] mando o capitão Affonso Sardinha que em meu
nome vá ao sertão [...]”.

 

E o próprio Sardinha, em cédula testamentária habitual na pré-campanha sertanista de uma entrada de guerra:

 

“[...] esta cedula de testamento e mando cerrado virem,
como no anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1592,
aos 13 dias do mez de novembro, n'esta villa de S. Paulo do Campo,
Capitania de S. Vicente do Brasil etc. Eu Afonso Sardinha,
na dita villa morador e capitão da gente de guerra,
pelo governador Lopo de Souza [...]”

 

   Obviamente, que o Affonso Sardinha de muitos serviços a favor da Capitania só pode ser o Velho...! Aliás, neste período, ele também é vereador! Os vereadores não podem oferecer Poder a um mameluco, e o Povo, esse, a conhecer um Sardinha, só pode ser o pai Afonso.
E nas Atas, como no Regimento, pode-se ler perfeitamente que o Velho é e está Poder, sendo que o Moço é notícia uma única vez e se registra que “[...] afonso sardinha o moço hera ido ao sertão e levou em sua companhia outros mâsebes e mais de çem índios xpãos”. Assim, está claro que nos últimos 300 anos quiseram fazer esquecer Afonso Sardinha - o Velho dando falsa identidade política e colonial ao filho... Por que o pai era judeu convertido? Se assim foi/é, o filho, mameluco, serviu como argamassa para emparedar ´o judeu´, como fizeram para calar a odisséia colonial de outro judeu: o Bacharel de Cananéia...

1604
   Afonso Sardinha – o Moço faz testamento no sertão e fala que são suas as minas e que tem 80.000 cruzados em ouro guardados em botelhas de barro... O jovem mameluco morre em confronto com os nativos neste mesmo ano e deixa mulher e duas crianças [Luiza e Pedro], além de um testamento ridículo.

Obs
A cédula testamentária d´o Moço é uma piada histórica, uma vez que ele foi contemplado com tapera e 300 cruzados pelo pai, em 1592, sendo que tudo isso pertencia a Maria Gonçalves enquanto o Velho estivesse nos sertões como capitão de guerra. Entre os vários testamentos feitos no sertão, o d´o Moço, redigido pelo pe João Álvares, é um acontecimento histriônico, e tanto assim que, lavrado, é registrado no Cartório de Órfãos de São Paulo.

1605
Com o arraial mineiro do Byturuna dando ouro em pequena escala, mas uma grande fortuna, transforma o arraial em fazenda; e, em 4 de Dezembro de 1605, depois da morte [1604] do filho, “o Velho” instala a Capela de Sta Bárbara, tornando-se o fundador luso-católico de mais um povoado colonial que terá continuação com outras capelas, outras devoções, outros pontos geográficos, e até outros focos de interesse comercial, rural e logístico, sendo particularmente um eixo para o desenvolvimento do jeito de ´bandeirar´ que, a algumas milhas dali, a partir de Araratiguaba [o ´porto feliz´ dos guayanazes], já faz acontecer o Brasil continental!

Obs
1   No “anno 1605” não se realizam sessões normais da Vereança paulistana porque os poderosos, latifundiários e para-militares estão ocupados na defesa dos seus bens nos sertões dos guaranis [Piabiyu] e dos tupis [Sorocaba e Ypanen].
2   Tudo leva a crer que o escandaloso “testamento” de ´o Moço´, feito no sertão, em 1604, doeu bem no fundo da alma de ´o Velho´, que passa mais de um ano entre Byraçoiaba e Byturura, e no arraial-mina do Byturuna manda ´fabricar´ a capela em honra de Sta Bárbara, às vezes acompanhado pelo padre jesuíta Antônio da Cruz.
3  A instalação da Capela de Sta Bárbara é da tradição dos mineradores e militares, como dos sertanistas, e no caso da Mina-Arraial do Byturuna, no Arassary´i, a história de Afonso Sardinha - o Velho foi passada oralmente, como já havia acontecido com a Capela ´fabricada´ na Carapocuyba, logo, a História não descarta a Tradição a incorpora-a como registro imaterial pela certeza de que os atos existiram e a arqueologia os mostra, tanto no Parque da Mina de Ouro d´Araçariguama como na Aldeia de Carapicuíba, por exemplo, povoados luso-católicos a partir das ações sertanistas e minerarias do velho Sardinha. A essa tradição não poderia fugir ´o Velho´ Sardinha, até pela proximidade dos padres jesuítas, muito vigilantes nos atos eclesiásticos informalmente desencadeados nos sertões, como a ´fábrica´ de uma ´alminha´ ou de uma ´capela´.

 

   Afonso Sardinha vende a mina, o arraial e a capela do Byturuna, ao sócio-artesão Clemente Álvares, que repassa a informação à Câmara de São Paulo, onde é vereador. A translação é tão verdadeira quanto a declaração do próprio vereador Álvares no plenário do Conselho paulistano.

 

1615
No dia 9 de Julho, com a esposa Maria Gonçalves, e por estarem casados há mais de 60 anos [o que mostra que ele deve ter chegado ao Brasil, fugido da Inquisição, cerca de 1535], faz a doação de todos os seus bens móveis e de raiz, com as terras de Carapocuyba, ao Colégio de Santo Inácio da Villa de Piratinin, mesmo tendo a neta Luiza e o neto Pedro, filhos de ´o Moço´, como continuação da sua família.

1616
Morre na sua fazenda no Pico do Jaraguá sendo depois velado e enterrado pelos padres na capela jesuítica da Villa.

   [A pedra tumular vem a ser encontrada em 16 de Setembro de 1881.]

   Netos e bisnetos continuam a saga dos Sardinha nas regiões de Mogi das Cruzes, São Paulo, Sant´Anna de Parnaíba e Sorocaba. A neta Luiza casa com o cristão-novo Pedro da Silva, desembargador e ministro, homem poderoso do reino e vai viver no Rio de Janeiro; e Gaspar Sardinha, bisneto, continua a atividade sesmeira de o Velho em várias ações registradas em inventários. Entretanto, nenhum outro Sardinha consegue alcançar o poder político e financeiro que o Velho possuiu.

 

* No seu livro “Apontamentos Históricos...”, Marques de Azevedo, apesar de ter tido contato direto com os testamentos da Família Sardinha, anota um erro comum: confunde o Moço com o Velho e diz que aquele morreu na Fazenda do Jaraguá...

 

 

 

Político, Juiz & Capitão.

 

   Vereador nos anos de 1572, 1576, 1592, 1596 [substituindo Antonio Rodrigues] e 1610. No ano 1608 entra na disputa eleitoral, mas não consegue ser eleito.

   Almotacel no ano 1575.

   Juiz-Presidente no ano 1587.

   Capitão das Gentes de São Paulo.     
Indicado em 1592 pelos “ofisiais da camara” sob pressão popular. A indicação é ratificada no mesmo ano pela Capitania de S. Vicente.

 

 

 

Obs

1   Os cargos ocupados, por eleição ou por indicação, na Vereança paulistana e na Capitania vicentina, fazem a demonstração do Poder privado e feudal que levou ´o Velho´ Afonso Sardinha ao Poder público e fez dele o eixo do desenvolvimento que, da Villa Piratininga aos sertões do Piabiyu [fazendas Ybitátá e Carapocuyba], de Paneiíbo [mina e fazenda do Jaraguá] e d´Ypanen [minas e arraiais de Byraçoiaba e Byturuna], reabriu caminhos ancestrais dos povos sul-americanos para o Brasil luso-paulista e depois luso-afro-americano.
Raros colonos tiveram as condições financeiras e logísticas para se tornarem ´reis e senhores do sertam´, e um deles, o primeiro luso-paulista, foi Afonso Sardinha - o Velho, que abriu a primeira Via do Ouro na colônia!

2  A certo passo da sua historiografia “Notícias Das Minas...”, Pedro Taques afirma que “[...] o Alferes Affonso Sardinha mandou construir e estabelecer à sua custa, no sítio Biracoiacaba e o deu para desta fábrica se aproveitar Sua Majestade, que antes desta oferta só percebia o quinto da fundição deste metal”.

     

Tal afirmação, quanto ao cargo de Alferes e às posses de Affonso Sardinha, demonstram que, de fato, ele tinha carreira militar, daí ter resolvido assumir o cargo de Capitão de Gentes de Guerra por ele mesmo proposto na Câmara Municipal e enquanto membro da mesma, e que foi o primeiro grande financiador da defesa da Villa piratininga e da mineração no oeste paulista e em pleno Piabiyu

 

 

 

 

 

Testamento & Inventário Parcial

Afonso Sardinha - o Velho
“n´esta villa de S. Paulo do Campo, Capitania de S. Vicente”

 

 

 

Testamento & Inventário Parcial

 

   “Jesus, Maria.
Em nome de Deus. Amen. – Saibam quantos este cedula de testamento e mando cerrado virem, como no anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1592, aos 13 dias do mez de Novembro, n´esta villa de S. Paulo do Campo, Capitania de S. Vicente do Brasil, etc. Eu Affonso Sardinha, na dita villa morador e capitão da gente de guerra, pelo governador Lopo Sousa, etc., estando de caminho para  a guerra, e sendo mortal e não sabendo o que Deus Nosso Senhor de mim fará, estando de saúde e em todo o meu juízo e entendimento, ordeno esta cedula e mando em maneira seguinte: Primeiro encommendo minha alma a Deus Nosso Senhor, que do nada a fez e com seu sangue precioso a remio e resgatou na arvore da vera-cruz, para que elle haja misericordia quando d´esta vida partir, e a Virgem gloriosa N. S. sua Mãi e a S. João Baptista, e a S. Gabriel Archanjo e a todos os santos e santas da côrte do céo e aos córos angelicos, os quaes todos invoco para que sejam em minha ajuda e favor ante o consisterio divino. Quando N. S. fôr servido levar-me levar-me da vida presente, meu corpo seja enterrado na igreja dos padres de S. Paulo, defronte do altar de Nossa Senhora, que eu tenho por minha advogada e tenho licença para isso. Deixo que se dê de esmola e para o dito altar de Nossa Senhora e o deixo recommendado á minha mulher Maria Gonçalves, e para isso a deixo com toda a minha fazenda á portas fechadas, depois de se averiguar as dividas que ao diante declararei, a qual fazenda possuirá em sua vida, e por sua morte ficará toda para a sua fazenda ao dito altar por ella outrosim me ter prometido de deixar toda a sua fazenda ao dito altar de Nossa Senhora, o que faço por não ter herdeiro nenhum forçado a quem de direito deva deixar minha fazenda, porque Affonso Sardinha, o moço, é havido depois de eu ter casado com minha mulher, e por eu ter já a elle feito o que devia e lhe ter já dado de minha fazenda até 500 cruzados, nos quaes entram as terras onde está o Amboaçava, as quaes se estenderá da ribeira da aguada dos índios do forte ater outra ribeira que vem do Amboaçava, entrando pela matta dentro até onde fiz minha demarcação, e esta fazenda pela minha morte á minha mulher, como tenho dito, e depois será entregue aos reverendos padres da companhia de Jesus, d´esta casa do Senhor de S. Paulo d´esta casa e villa, e dos rendimentos della se dirá todos os sabbados e mais festas de Nossa Senhora uma missa rezada ou cantada, ou as mais que puder ser, e lhe porão uma lampada para todos os sabbados e festas suas, sendo possivel. E aos dito padres deixo por administradores de toda a dita fazenda com tal condição que o gado e ovelhas se não vendam por razão do que multipliquem para o dito altar, que se pelo tempo em diante puder ser capella o seja, havendo fazenda que suppra, isto para maior gloria e louvor de Nossa Senhora, a quem tudo vão offerecido. Declaro que é minha vontade que de minha fazenda se tirem 200 cruzados e se dêem pelo amor de Deus e se caze uma orphã, á qual eu deixo nomeada ao reverendo padre Antonio da Cruz, da dita companhia, e a elle e mais padres peço quando fôr tempo a ajudem a cazar, o que também deixo recommendado á minha mulher Maria Gonçalves e recommendo faça bem a ella, ajudando a cazar, pelo amor de Nossa Senhora, o que eu confio que ella o fará, como d´ella espero. Item, deixo á esta casa do Senhor S. Paulo dez cruzados de minha fazenda para as despezas da dita casa. Bem assim mais á casa de Nossa Senhora do Carmo cinco cruzados de esmolas. Item ao Santíssimo Sacramento ou á sua confraria cinco cruzados, e á confraria de Nossa Senhora do Rosário dois cruzados. Item, á ermida de Santo Antonio dois cruzados. Mando que toda a pessoa que jurar que eu lhe devo até dois tostões se lhe póde pagar. Mando que se dêm ao padre-vigário seis cruzados para que diga de missas pela minha alma. Bem assim pelo encargo que possa estar do tempo da minha mocidade, deixo se dê de esmola cinco cruzados para a ajuda de se cazar a mais pobre sobrinha que minha mulher tiver, e que ella nomeará. Deixo um rol de lembranças do que me devem, ao qual se dará inteiro credito, porque é de tudo o que me devem e eu devo. E deixo por testamenteira de minha alma por que também ella fica por herdeira em sua vida, a minha mulher Maria Gonçalves, a quem peço pelo amor de Nosso senhor faça cumprir este testamento, como eu faria rogando-me ella, e sobre ella descarrego minha consciência, e pela muita confiança que della tenho e de seu irmão Balthazar Gonçalves, a elle nomeio outrosim para seu ajudante n´este caso, pela amizade que com elle tenho. E por assim ser minha consciência, mandei fazer este testamento, que peço ás justiças de S. M. o mandem cumprir e guardar como n´elle se contém. E por este revogo todos os demais testamentos, cedulas e codicillos          que até hoje tenho feito em notas e fora d´ellas, e roguei ao tabellião este instrumento me fizesse, e n´elle assignasse com as testemunhas hoje dito dia, mez e anno atrás descripto.”    –   [Approvação do tabellião Melchior da Costa. – Testemunhas. – João Soares. – Pedro Leme. – Simão da Costa. – Melchior Veiga. – Balthazar Soares.]

 

 

 

“Rol do que o Sr. Affonso Sardinha declara
em seu testamento que deixa.

   Antonio Gonçalves Proença, meu cunhado, me deve por conhecimento 250 cruzados em dinheiro que lhe emprestei de amor em graça, á conta de seu conhecimento de 50 cruzados que lhe emprestei primeiro, e me tem dado 8$800, e os outros 200 lhe hão de esperar até que Nosso Senhor traga seu navio de Angola ou arrecade dinheiro. Sebastião Pires me deve 200 cruzados, de que tenho conhecimento; também pela mesma maneira lhe hão de esperar até vir de Angola ou recado certo. O Sr. capitão Jorge Corrêa me deve 100 cruzados, que lhe emprestei de amor em graça, de que não tenho conhecimento, e assim mais me deve 50 cruzados de 50 caixas de marmelada e 40 alqueires de farinha que me mandou pedir para João Rodrigues, de Hirapoêra, quando foi dos inglezes. E assim lhe mandei mais 5 cargas que levaram 23 alqueires, que levou o compadre Francisco Domingues esta derradeira vez. E isto tenho tratado com sua Mc., que trazendo Nosso Senhor, de Angola, o seu navio me ha de levar em conta os direitos das peças que me vierem ou me ha de pagar em dinheiro. João Baptista Malio me deve 80 cruzados, de que tenho conhecimento, e serão pagos a seu tempo conforme o que dizem os ditos documentos. A fazendo do seu cunhado Antonio de Proença, que Deus haja, me devia por dois conhecimentos que me levaram os inglezes, 2 peças moças, de 18 a 20 annos, e não se alembrando a quantia certa do que era André Pires, os teve em mão, e Antonio Gonçalves dos Quintos e Antonio da Costa e eu affirmamos que eram 100 cruzados, mas fica-lhe por 90, ou pelo que estas pessoas jurarem. Antonio da Costa, meu cunhado, me deve 5$ em dinheiro, de que não tenho conhecimento, de resto de 12$ que lhe deu Antonio Gonçalves dos Quintos. Tristão de Oliveira me deve 15 cruzados que lhe emprestei de amor em graça, de que tinha um conhecimento, que me levaram os inglezes.
Umas casas tenho na villa de Santos que me vendeu Paulo de Vires, de que me levaram as cartas de venda os inglezes, e Manoel da Cruz, sendo tabellião em Santos, fez a dita carta de venda.
O padre vigario Jorge Rodrigues mora n´estas casas, fará para maio vindouro 4 annos, a 12 cruzados por anno, e só tem pago 10 cruzados na mão do almoxarife Antonio da Costa, que foi e ficou commigo de para Janeiro pagar o mais em dinheiro. Se se achar fazenda do padre Simão de Lucena, que Deus tem, também morou n´estas casas muito tempo e nunca pagou nada, só deu 10$, e bem poderão haver de sua fazenda até 10 cruzados. Em casa de Antonio Gonçalves, em Santos, tenho uma caixa de cedro. O padre vigario Lourenço Dias Machado me deve 20 cruzados, que lhe emprestei de amor em graça, e eu lhe devo uma mão de papel e 8 reales. Antonio Raposo me deve 10 cruzados e mais o resto de sal que lhe vendi, que são 2 cruzados. André Fontes me deve 8 cruzados de resto de um pouco de dinheiro que lhe emprestei na mão de Domingos Fernandes. Clemente Álvares me ficou devendo 2$200 de resto de contas que ha de pagar em obras, meu sobrinho Gregório Francisco, que tenho mandado para Angola, fiz partido com elle, que, trazendo-o Nosso senhor, depois dos fretes abatidos e direitos pagos, em que hão de entrar 10$ que paguei de arranjos e direitos, depois d´isto pago, partirão de tudo que trouxer pelo meio, e mais não haverá outra cousa, e o tratarão sempre como meu sobrinho, e não lhe fallarão em mais nada, e não recommendo nada a minha irmã porque está longe, mas a avisarão e ella fará por minha alma tudo aquilo que fôr necessário, conforme a sua consciência, lembrando-se das mesmas cousas.
Domingos Pires, meu cunhado, morador no Rio de Janeiro, me deve 50 cruzados, de que me tem mandado que mande escolher uma moça das 6 que elle trouxe, e com dar a moça me darei por pago.
Tenho um moço, filho de uma escrava minha e de um índio por nome Ricardo, este é do meu serviço e não quero que seja vendido, por assim o haver promettido aos padres e há tempos me serve, pelo que hei por bem que fiquem livres, e bem assim 2 filhos de Lucrecia e de André, índios, que sahirão do monte-mór com a mais gente fôrra, á qual toda mando que se trate bem e não sahirão do poder de minha mulher.

 

Dividas que devo.

Devo a Antonio Rodrigues de Barros 25$ de lãs que mandou de Buenos-Ayres e 8 pelles, e 6 se venderam e as outras duas me mandou uma a mim e outra a André Pires, as pelles renderam 29 cruzados, que, com 25$ de lãs, fazem 36$060 que se lhe ha de pagar, abatendo 3$ de um moço que já embarquei, por elle me mandar pedir 2 homens do Tupy, os quaes eu mando nas primeiras embarcações e o mais restante lhe darão, e mandarão 100 caixotes de marmellada, que me mandou pedir. Não me lembro de outras dividas que devo, e se apparecer alguma licita se pague. A Pedro Vieira lhe emprestei 50 cruzados e uma espada que valia 10 cruzados, e á consta de tudo recebi 9$, o que ficar liquido de uma encommenda que fiz com outra que eram 2 varas de rendas para Buenos-Ayres e 9 bainhas de facas da Allemanha, 14 mãos de papel e 1 botija de agua rosada, o que tudo ha de entrar em conta por quantidade de dinheiro, d que não tenho papeis por serem levados pelos inglezes, e André Pires sabe d´isto. Os 15$, a espada e o que poderá ficar da minha encommenda se mandará receber a Pernambuco ou aonde elle estiver.
De pouco tempo para cá me faltam 6 cabeças de gado, se puderem haver meios de se cobrarem, o busquem. E não declaro a mãos fazenda que tenho porque toda minha mulher declarará, pos a conhece como sua, e só nomeio a de que ella não tem conhecimento. E me anda fugido um escravo por nome Domingos, com sua mulher e uma filha. A gente fôrra ella terá cuidado de nomear e tratar bem como sempre o fiz e d´ella confio que descarregará minha consciência e a sua. Hoje, 13 de Novembro de 1592. E assigno como tabellião Melchior da Costa. Gaspar Couqueiro me deve 4$600 de umas caixas de marmellada.

De Affonso Sardinha.
Declaro que Jeronymo Leitão, capitão que foi d´esta Capitania me deve 50 cruzados que tomou em Santos, para comprar umas obras e não restituio; e não fallo em outros gastos que tive e perdas que sua mercê deve satisfazer, mas fique tudo por algumas bôas obras que d´elle tenho recebido, e com o dinheiro pagará sómente. E assigno outra vez.

De Afonso Sardinha.
Melchior da Costa.
Ignácio Álvares deve 4 cruzados de umas caixas de marmellada, e André Pires, $200 rs. E hão de ficar na mão de André Pires estes 4 reales.”

Obs
Cópia de um documento, entre vários, no Arquivo de Évora [Pt, 1975]

 

 

 

 

Da leitura Das Cédulas
[testamento e inventário parcial]

 

   Do tabellião Belchior da Costa, no Séc. XVI, o material passou, no Séc. XIX, para o Cartório da Tesouraria da Fazenda [que incluía também o Cartório de Órfãos], e, hoje, raras pessoas têm acesso aos documentos históricos de Afonso Sardinha - o Velho, comerciante, banqueiro, traficante de escravos, minerador, capitão de guerra e vereador na Villa de São Paulo dos Campos de Piratininga, entre 1572 e 1615 [morreu em 1616 com idade avançada].
Li este material em Lisboa, na primavera de 2001, pela gentileza de um velho amigo alfarrabista e mercador de papéis antigos, e confesso que fiquei impressionado, não com o Poder declarado, mas pelo Poder que esse português tinha e que as entrelinhas mostram. O poeta J. C. Macedo já havia lido os documentos em 1975, e creio que da mesma fonte, pois é/era um dos 500 exemplares publicados em 1879 do livro “Apontamentos...”, de Azevedo Marques, para o qual recebeu a viúva daquele o apoio do imperador Pedro II..., e percebeu esse Poder, que o levou a estudos mais profundos e demorados sobre o creso dos sertões paulistas. O que está no testamento e no inventário é uma fração dos Bens e do Poder que Afonso Sardinha detinha entre Santos e S. Paulo, e entre S. Paulo e os sertões a oeste. Basta lembrar que ele, em 1592, já havia minerado ferro, ouro e prata, em Guaru e em Cubatão, e já havia iniciado a sua aventura no Pico do Jaraguá, além de ter adquirido as minas de Byraçoiaba e Byturuna, embora nestas ainda não estivesse com operações completas. Ao declarar “meu sobrinho Gregório Francisco, que tenho mandado para Angola”, ele mostrou que a operação do tráfico negreiro é sua; por outro lado, quando fala “me levaram as cartas de venda os inglezes”, refere-se ao cerco, assalto e pilhagem que os corsários ingleses fizeram em Santos e S. Vicente, mas mostra, também, uma intimidade muito grande com os comerciantes da Inglaterra que se tinham estabelecido no “Hyrapoêra” [Ybirapuera]. Nestas cédulas falou ele de uma “irmã porque está longe”, mas que se presume ser esse ´longe´ o Rio de Janeiro, pois tem “Domingos Pires, meu cunhado, morador no Rio de Janeiro”. Isso significa que o desbravador sertanista-minerador, político e banqueiro Afonso Sardinha – o Velho não desembarcou sozinho em Santos, entre os Anos 30 e 40 do Quinhentos: com ele viajou uma irmã. E dela não se tem notícias, embora se perceba que ele mantém contatos com ela.
Os dados mais importantes, porém, destas cédulas, são os seguintes: 1º –  Ele nomeia-se “capitão da gente de guerra, pelo governador Lopo de Sousa”, que, aliás, é o que está nas Atas da Câmara da Vereança paulistana, e o que desdiz muitos escritores quem na pressa de coligirem dados, confundiram ´o Velho´ com ´o Moço´; 2º – Ele deixa a sua fazenda [bens] aos padres jesuítas de São Paulo por “não ter herdeiro nenhum forçado a quem de direito [...], porque Affonso Sardinha, o moço, é havido depois de eu ter casado com a minha mulher, e por eu ter já a elle feito o que devia”; isto significa que havia doado bens para ´o Moço´ deserdando-o de tudo o resto, logo, o testamento que ´o Moço´ fez em 1604, pouco antes de morrer no sertão, é uma cédula pífia, porque nela enumera as minas do pai, as mesmas que ele adquirira em leilões oficiais e operara em sociedade com Clemente Álvares. O gesto de ´o Moço´ parece uma retaliação, talvez por considerar ser ele o herdeiro universal de ´o Velho´, com quem trabalhou e batalhou diretamente; 3º – As cédulas testamentárias mostram a importância da mulher na vida dos sertanistas e dos para-militares que partiam da Villa Piratinin para os sertões e não tinham certezas quanto ao retorno; eram as mulheres, as catolicamente oficiais e as outras, que se incumbiam da logística de apoio na retaguarda e da guarda dos bens da família sertanista-mineradora ou bandeirante. No momento [1592] em que ´o Velho´ se candidatou ao posto de Capitão de Gentes de Guerra, pois foi essa a provisão que ele levou ao plenário da Vereança, ele era de fato um homem de idade, mas também era, acima de tudo, um luso-paulista decidido à batalha pelo Brasil, e então, da mesma maneira que traficava e fazia política por um ´novo Portugal, já aí o Brasil a surgir na mentalidade independentista”, ele decidira mostrar-se à altura daquilo que queria ajudar a se estabelecer no Mundo Novo; e 4º – Pode parecer um absurdo o fato de ´o Velho´ ser um ´mãos abertas´ na doação de bens para as confrarias religiosas e, ao mesmo tempo, exigir publicamente o pagamento que lhe é devido por alguns padres que vivem em casas suas alugadas. O fato é que o Político e o Mercador não se misturam com o indivíduo do Clero cujas necessidades de sobrevida são iguais às do comum mortal, e nessa ação está a essência judaica do livre comércio que assenta o ideal do progresso entre todos, e não apenas em quem trabalha fisicamente. Assim era a ´consciencia´ do velho Sardinha.  
Nestas cédulas ele não trata das minas e a razão é simples: ele é minerador de ferro, prata e ouro, sim, mas nas minas que opera acima da Serra do Mar tem sociedade com Clemente Álvares, que não pode ser declarada publicamente, porque adquiridas em leilões oficiais da Capitania de S. Vicente, como era praxe colonial; no entanto, conseguiu comprar os favores do governador Lopo de Sousa, como se pode ler no Regimento Geral da Câmara de São Paulo. Assim, e mesmo sem falar das minas, e principalmente das minas de ferro, no Byraçoiaba, e de ouro, no Byturuna, o seu testamento mostra, então, um Poder único no Brasil dos luso-paulistas.

Lisboa/Pt, 2001.

 

 

 

 

 

Assinatura & Sinal
[os documentos falam por si]

 

 

   Para os pseudos pesquisadores de História que afirma[va]m ter sido Afonso Sardinha - o Velho um analfabeto, eis um testemunho documental, além da sua assinatura e do seu sinal:

 

“Rol das gentes de Affonso Sardinha (...).
Um índio por nome Senhô e sua mulher Tobiry
e um filho Caraibaguar (...) Uma índia por nome Taborata.
As quaes lhe foram deixadas por fôrras para dar conta dellas
e as ocuppar no beneficio das minas com a demais
e elle disse que para isso as queria e por ser homem muito velho
e lhe tremer muito a mão disse o não podia assignar
o assignei eu escrivão por elle a seu pedimento
eu Belchior da Costa escrivão o escrevi”

– in Registro Geral da Câmara de São Paulo,
Anno de 1615, capítulo “Matrícula da Gente Carijó”,
Volume 7, Suplemento.

 

 

   Este documento, se a própria assinatura não basta para estoriadores..., comprova que “o Velho” Afonso Sardinha só deixou de assinar documentação quando a saúde precária e à beira da morte não lho permitiu. Por outro lado, prova ainda que o todo poderoso Capitão Sardinha continuou na frente da mineração de ouro, prata e ferro, até morrer, em 1616, na sua casa-fazenda de Jaraguá, no pico mais alto de São Paulo.

 

 

 

 

ANEXO

 

 

Dramaturgia

Teatro & Fantoches

 

 

 

 

 

 

Via do Ouro

 
Teatro em 1 Ato de Epopéia Colonial & Minerária

 

Vida & Obra de Afonso Sardinha - o Velho

 

por

João Barcellos

 

 

 

 

Tema, Personagens & Cenário.

 

   Na manhã ensolarada de 4 DE DEZEMBRO DE 1605, o vereador paulistano, minerador e desbravador sertanista AFONSO SARDINHA está no arraial mineiro do Morro do Byturuna, onde acaba de inaugurar a CAPELA DE SANTA BÁRBARA. No ato, que é religioso e é colonial, torna-se FUNDADOR DO POVOADO DO RIO DOS ARASSARYS NO BYTURUNA. Depois das minerações em Guaru, Cubatão, Byraçoiaba e Pico do Jaraguá, AFONSO SARDINHA - O VELHO conclui, no Byturuna, o ciclo colonial da VIA DO OURO nos sertões da Capitania de São Vicente, a oeste da Villa de São Paulo dos Campos de Piratininga.

   Frente à boca da mina d´encosta do Byturuna, e com a grande cruz de madeira e a capela de Sta Bárbara sob o olhar, AFONSO SARDINHA, dito ´o Velho´, conversa com o seu escravo PÉS LARGOS e mostra como se fez PODEROSO & CAPITÃO DAS GENTES DE SÃO PAULO enquanto desbravava a primeira VIA DO OURO da colônia portuguesa chamada BRASIL. Algumas vezes a CONVERSA é interrompida pela IRMÃ do desbravador, que vive no Rio de Janeiro, mas que o acompanha sempre em pensamentos.

   A peça tem como CENÁRIO a cópia de um desenho do poeta J. C. MACEDO, feito em Lisboa [Portugal, 1975], projetando a Cruz, a Capela e a Boca da Mina. A cópia é feita papel ou tecido, para ser levada para qualquer lugar.

 

 

 

PARTE 1
AFONSO SARDINHA – O VELHO

 

AFONSO SARDINHA
[Descalço, calças e camisa largas. Chapéu preto de abas largas e caídas. Sentado numa pedra.]

 A falar alto com os seus botões: Esta gente gosta é de festa. Fazem da capela nova um terreiro de festas a misturar coisas da África, de Portugal e das gentes desta América. Se bem que lá, em Portugal, tudo o que é religião vira festa, também! E hoje, até que estas gentes podem festejar: é Dia de Santa Bárbara, e neste dia abrimos Capela para ela, que é a padroeira dos militares e dos mineiros... É, que pulem, que cantem, que amanhã têm que tirar da mina d´ouro o sustento de todos nós! É..., façam festa, façam festa...

Levanta a cabeça e chama: – Vem aqui, ó Pés Largos!  

 

PÉS LARGOS
[Descalço. Veste calças amarradas com pedaço de tecido. Na cabeça, outro pedaço de pano protege-o do sol.]

– Chamou, sô patão?!  Que mim podê fazê, patão?

 

AFONSO SARDINHA

– Vem acá, ó Pés Largos. Deixa essa gente na festa. Vamos conversar um pouco.

 

PÉS LARGOS

– Ma num é bão deixá a xente só na festa, patão. O sô, meu patão, ocê sabe que nêgo se esfega com xente da terra sempe que pode se esfegá! Já morreu tês nêgos e dous guayanaz, num sabe... desde que nóis enfiamos eles pra tirá a pedra que brilha lá da boca do Byturuna!

 

AFONSO SARDINHA

– Ora, ora, ó Pés Largos. Hoje, como sempre, Santa Bárbara olha por nós e por essa gente.

[Ele está com uma botelha de barro de onde bebe, em pequenos goles.]

– Como hoje é dia de festa para a nossa Santa Bárbara, toma, bebe um pouco de mate.

 

PÉS LARGOS

– Ih, patão, mim num podê bebê erva mate. Os pade num deixa nóis bebê erva mate. Os pade falá que erva mate dos guarani do piabiyu é erva do táaaaall demônio, do cousa ruuiimmm que num gosta de vê nóis na terra do sem-mal!

 

AFONSO SARDINHA
[Ele ergue a botelha.]

– Meu velho e leal Pés Largos. Aqui, quem pode mandar-te para os quintos do demônio sou eu. Eu, o teu patrão. Nenhum padre tem o poder que eu tenho de matar ou deixar viver. Quem manda aqui é o dono das terras, e esse dono sou eu, raios! [Passa a botelha para o escravo.] E agora, bebe uns goles de erva mate...

 

PÉS LARGOS

– Ma, sô Afonso, meu patão, os pade num deixam mim nem intá na capela, lá na Piratinin, porque mim sê guarani, e os pade sabê que guarani bebe erva mate.

 

AFONSO SARDINHA
[Ajeita o chapéu, acomoda-se melhor na pedra, e eleva a voz.]

– Raios! Olha aqui, Pés Largos, toma logo a erva mate que é uma oferenda do teu patrão Afonso Sardinha, neste dia de festa para Santa Bárbara..., ou ainda te mando embarcar para Angola, e lá... vais ficar para os negros saberem o que é um americano guarani!

 

PÉS LARGOS
[Ele senta-se imediatamente junto de AFONSO SARDINHA.]

– Ai, meu patão, mim num vai deixá ocê aqui sozinho! Si, si, mim vai bebê erva mate, e Pés Largos tem muito gosto em bebê!  [Olha para os lados, fixa a capela nova, e bebe.] Desde que nóis fomo lá a Jaraguá que Pés Largos num bebe erva mate, que faz bem e alega a tomá muiê na aldêa...

 

AFONSO SARDINHA

– Ah, ah, ah, aaiiiiii, ó Pés Largos, tu a mim não enganas, não. Eu sei que andas enfiado em algumas nêgas, por aí. E como tu não és nenhum mancebo, eu sei que bebes erva mate às escondidas. Ora essa, eu também bebo para não perder a força e continuar a dar a esta gente da terra o sangue português.

 

Os dois olham para o terreiro entre a cruz de madeira e a capela,
quando as cantorias e os gritos de “Viva!” enchem o ambiente.
E logo retomam o diálogo.

 

PÉS LARGOS

– Sô Afonso, mim sabê que mandou fabicá esta capela de Santa Bárbra pra se protegê melhó que o Afonsinho, que se foi lá no sertão, no outro ano.

[Ao ouvir a menção à morte de Afonso Sardinha - o Moço, o Velho tira o chapéu e escuta o resto meio pensativo.]

– É, dói muito perdê um filho. Os tupinambá tomaram minha filha e mim nunca mais ver ela, num sabe! Ora, mim escutá a floresta e os rios pra escutá ela, minha filha. E ora, sô Afonso, ocê escutá Santa Bárbra aqui, no Byturuna, e ela vai falá pra ocê do Afonsinho, como a floresta e os rios falá da minha filha pra eu!

 

AFONSO SARDINHA
[Dá voltas ao chapéu, porfia a barba, e coloca-o na cabeça.]

– É, dói muito perder um filho, ó Pés Largos. Mas, o que me doeu mais (e eu sei muito bem que tu o tinhas como se fora teu filho, também, o que eu só tenho a agradecer...), é, o que me doeu mais foi ele ter feito um testamento de sertão, antes de morrer, a dizer que tudo o que eu tenho era dele! O patife!... Pois, já falei com a minha mulher Maria Gonçalves, sabes..., e tudo o que nós temos vai para os jesuítas de São Paulo dos Campos de Piratinin. Tudo. O que eu e ela deixamos em vida para Afonsinho foi uma fortuna. Ele não poderia ter feito o que fez com aquele testamento de sertão... Uma ingratidão. Uma ingratidão!

 

PÉS LARGOS
[Dá a botelha com a erva mate para o patrão.]

– E intão, sô Afonso, mim achá que foi uma boa idéia fabicá esta capela de Santa Barbra, que ela vai protegê ocê, aqui, e Afonsinho, lá. Ai..., e toma a erva mate, toma, que vai fazê bem...

 

AFONSO SARDINHA
[Pega a botelha e fixa-a por instantes.]

– Lá de São Vicente e de Santos até aqui, tu sabes, ó Pés Largos, foi uma vida muito rude. Eu não merecia essa ingratidão, não merecia! [Ele continua com o olhar fixado na botelha.] Às vezes eu ouço a minha irmã, que está lá no Rio, e os seus conselhos são como água benta para os meus males...

 

Súbito, a cena é interrompida
pela aparição da IRMÃ.

 

IRMÃ
[Aparece em cena vestida com um manto branco e capuz.]

– Ai, meu irmão. Fugimos da terrível Inquisição e embarcamos para fazermos um império nesta América, e tu és um imperador nesses sertões além da Serra do Mar, e quando os navios comandados pelo meu filho (e teu sobrinho) Gregório cruzam os mares, entre Angola e Santos, eles levam e trazem o progresso que o teu Poder alcançou para a Coroa portuguesa, mas também para o nosso Povo. E enquanto o tráfico de escravos é moeda de troca e o oiro desses sertões do Vale d´Anhamby, e os comércios do Piabiyu para Buenos Aires, são rendas que nos ajudam a bancar os interesses da própria Coroa, maior é a certeza de que esta América é o nosso novo chão – o chão que já levou o meu sobrinho mameluco. O chão que Santa Bárbara protege e os jesuítas desbravam. E nós, meu querido irmão [ela mostra uma ampulheta do tempo], nós fazemos o tempo do Império acá, com os bens e os males que em Portugal há e que de lá embarcamos!

Assim como entrou em cena,
a IRMÃ some.

 

PÉS LARGOS

– Onde estais, sô Afonso?

 

AFONSO SARDINHA
[Deixa de fixar a botelha e bebe um gole.]

– Ah, sempre ouço a minha irmã quando o coração me aperta a alma. A sabedoria da mulher deve ser sempre escutada.

 

PÉS LARGOS

– E nóis, guarani, nóis escuta a muiê, porque a muiê faz a vida e a muiê sabe todos caminho do bem. Ma, patão, ocês num gostá muito de muiê, não. Num trazê muiê lá do outro lado do mar...

 

AFONSO SARDINHA

– Aaaiii, ah, ah,ah... Que é que é isso, ó Pés Largos, estás a querer montar portuguesa?!... Ai, meu velho companheiro, nos primeiros tempos foi difícil trazer a mulher portuguesa acá, mas quando ela veio, há, quando ela veio ajudou a organizar a nossa vida. Quando eu vou para o sertão, como ora, que estou aqui no Byturuna, eu faço um testamento e um inventário que fica com a minha Maria Gonçalves, e eu sei que ela vai cumprir o que registei com o tabelião.

 

PÉS LARGOS
[O escravo coça a cabeça.]

– E a Poty? Sim, a guarani mãe do Afonsinho?

 

AFONSO SARDINHA
[O velho fixa o seu escravo e passa a botelha para ele.]

– A minha Poty, que está lá na Koty, além da minha fazenda da Carapocuyba, é uma mulher maravilhosa. Sempre que posso, e tu sabes disso, vou visitar a minha Poty. É ela que me manda a erva mate que recebe lá do Prata. Queria estar mais com ela, mas a vida de vereador na Casa do Conselho lá de Piratinin obriga-me a manter distância. Eu sou um Senhor, e ela é, apesar de tudo e de me ter dado o Afonsinho, ela é uma Escrava! E eu tenho uma mulher por Lei, a minha Maria Gonçalves. O que vale em nossa sociedade, a nossa tribo, é a Lei que escrevemos, ó Pés Largos.

 

 

 

PARTE 2
UMA VIA DO OURO NO OESTE DA VILLA PIRATININ
ENTRE A SERRA DO MAR E O BYTURUNA

 

 

PÉS LARGOS

– É, o leilão... Aquela festa que ocês fazê nas mina?

 

AFONSO SARDINHA
[Rindo.]

– Ai, ai, ai... Não é festa, meu velho, é reunião para decidir quem paga mais para ficar com a mina. Isso é um leilão!

 

PÉS LARGOS

– Tá bão, patão. E ocê manda nóis enfiar na boca das mina e tirá as pedra de sol e taaaaall de ferro, ma a riqueza num é de ocê, é do taaaaall rei do outro lado do mar?!

 

AFONSO SARDINHA
[Abre as mãos num gesto largo.]

– Isso mesmo, Pés Largos. É assim: quando os tupis ou os guaranis indicam a existência de ouro em algum lugar, nós vamos lá verificar, e se é, damos notícia à Capitania que regista e manda os oficiais fazerem o leilão, porque a Coroa não explora as minas, ou seja, ela deixa que pessoas como eu, o Clemente Álvares (que ora é meu sócio), e outros, façam a compra da mina achada pagando as taxas devidas ao tesouro. De tudo o que apuramos, em ouro, ferro e prata, mandamos um quinto para Portugal.

 

PÉS LARGOS

– O taall quinto dos inferno??!!...

 

AFONSO SARDINHA

– Oh, raios me partam se entendo este gajo! Ó, meu velho, o quinto dos infernos é outra coisa, é só maneira de falar. Os quintos de que eu ora falo é o pagamento. Tiramos uma parte da produção de pedras de sol e essa para é o pagamento que mandamos para o rei!

 

PÉS LARGOS
[Depois do susto, o escravo interrompe de novo. Quer saber mais.]

– Ma, nun foi así lá no Guarú, nim no Cubatão!

 

AFONSO SARDINHA

– É verdade. Muito boa a tua observação. É que naquele tempo a Capitania estava em organização, e na verdade, até o Caminho do padre Anchieta ainda nem estava concluído, quando eu soube do ouro no Cubatão e depois no Guarú, e aí eu fui fazer a mineração por conta e risco, como tu sabes. Agora, como nesta mina do Byturuna, que o capitão-mor Belchior Carneiro registou, eu comprei o direito de mineração em leilão oficial da Capitania, e assim mandei fazer arraial de mineiros e lavoura para sustento, e ora, acá temos capela de Santa Bárbara que dá início a um povoado, e também já temos os capitães que fazem a fiscalização das minas.

 

PÉS LARGOS

– E lá no Jaraguá e no Cubatão, ah, e tamém no Guarú, ocê num fazê fábica de capela. Só acá no Byturuna e na Carapocuyba, patão...

 

AFONSO SARDINHA
[Bebe mais um gole de erva mate.]

– Sim, é verdade...

 

 

Retorna à cena a IRMÃ,
como que a reforçar o pensamento do irmão todo-poderoso.

 

IRMÃ

– Nós somos a América, meu irmão querido. Nós somos a América. E tu, tu és o Senhor dos oiros e das terras. E das gentes da terra. Mas é bom que atrás da tua cruz de três hastes, na qual escondes a menorah, esteja uma mão aberta para as confrarias católicas e mais para os jesuítas, que nos protegem e sabem que terão mais de nós. [Ela abre uma mão e mostra um pequeno sino, que faz badalar.] E a bela e sofrida Santa Bárbara é a tua protetora nesta América católica, meu irmão, por isso, na mina do Byturuna, a que mais oiro te dá, é ela que tens de celebrar e fazer celebrar. Tudo o resto, meu irmão, é lavoura e pouco oiro, à parte, sim, à parte a mineração do ferro que nos dá ferramentas!

Ela sai de cena
numa meia volta com a capa esvoaçando.

 

– ... É verdade. A minha irmã tinha razão quando me dizia que na mina d´ouro do Byturuna só Santa Bárbara poderia ser celebrada. Ainda agora ouvia ela no meu pensamento, com a sua voz de veludo, linda. A imagem de Santa Bárbara acompanha-me desde que pus a mão na primeira pepita d´ouro no Cubatão. Lembras do capelão... o padre!, aquele que estava conosco? Ao ver as pedrinhas reluzirem como o sol berrou por Santa Bárbara... e foi faiscar ouro, também! É, e sabes?, ele voltou com algum ouro para Portugal, mas não fabricou capela alguma, agora é dono de navios. E já cruzou em Angola com o meu sobrinho Gregório... Quem diria, ó Santa Bárbara! E imagina se ele tivesse ficado com a gente, ó Pés Largos. Acá, no fim da Via do Ouro... que é o Byturuna, apesar que os guayanazes falam de mais pedras do sol além de Araratiguaba!

 

PÉS LARGOS

– Iso, patão. Pra lá dos paranás que se vai de canoas na aldêa  Araratiguaba. [Pensando um pouco, fixa o patrão.] E intão, sô Afonso, só fabicá capela quando tem pedra do sol?!

 

AFONSO SARDINHA
[Ele dá um risada.]

– Sim e não, meu velho. Olha: nós fizemos arraial acá, e então temos muita gente que é cristã, logo, devemos seguir a Lei e dar uma capela para essa gente poder celebrar a sua religião. E olha, os protestantes rezam por aí, em cavernas, como fazem também os judeus mais radicais. É... cada pessoa com a sua religião! E como temos mineiros, e sendo Santa Bárbara a protetora dos mineiros, a capela é dela. Em outros arraiais, como lá nas minas de ferro, fabricamos capela para a Senhora de Monte Serrat, em outros, para a Senhora da Conceição, e outras santas e santos. Lá no Jaraguá e lá no Ybitátá fabricamos capela dentro da Casa, então, é capela para a família do Senhor das terras e das gentes. E acá, ó Pés Largos, tenho a certeza que o arraial da mina ainda vai crescer. Olha como a família do Clemente Álvares vai a tomar tudo. Ele é um bom sócio e acho que vou passar a mina, a capela e o arraial para ele no próximo ano. É tempo de ficar mais na Vila e estar mais perto dos vereadores. Depois do meu tempo de Capitão de Gentes de Guerra da Vila de São Paulo dos Campos de Piratinin que eu não descanso. E agora, que o meu Afonsinho é morto, o melhor é voltar a organizar a minha vida na Vila e no Jaraguá.

 

PÉS LARGOS

– E é, lá no Senhor do Vale. Lá mim podê vê tudo. Jaraguá é iso: quem subi o pico e tomá terra é Jaraguá! E ocê, meu patão, ocê sê o único Jaraguá branco acá!

 

AFONSO SARDINHA

– Sim, mas para ser o Senhor do Vale eu tive que quebrar a resistência dos guayanazes. Dez anos de lutas. Ufa... Foi o Pico do Jaraguá e a aldeia dos guayanazes que mais tempo tomaram de mim...

 

Entra em cena a IRMÃ.

Agita uma espada como que a

abrir espaço para buscar o futuro.

 

IRMÃ

 

– Olha, meu irmão, nós viemos acá para fazermos desta terra a nossa terra, e não será esta gente selvagem, que ainda se come uma à outra e come os nossos, como fizeram com o bispo Sardinha, que nada era a nós..., ora, não será esta gente selvagem que vai nos impedir de fazer deste Brasil um outro Portugal! Fizeste de ti um Jaraguá, porque Senhor já o eras. E o tempo, mais uma vez, deu-te razão e vitória. Vencer os selvagens e dar-lhes outra visão do Mundo é uma missão tão nobre quanto essa tua odisséia de desbravar os sertões da Villa Piratinina minerar oiros e ferros e pratas. Sim, há sangue, como há escravatura, mas... se nós não formos em frente, vai correr o nosso sangue e nós seremos os escravos! Desde os teus tempos de Santos e Santo Amaro, e depois Guarú, só tiveste um período de calmaria, mas depois de ganhares o cargo de Capitão das Gentes de Guerra, na Câmara e na Capitania, só sei de ti a galgares sertões e assentares novos povoados nas aldeias conquistadas nas bocas das minas d´oiro, como essas de Jaraguá e de Byturuna. E em verdade digo-te, meu irmão: estás vivo até hoje pela guarda de Santa Bárbara. Fica ora entre o Jaraguá e o Ybitátá, pita um fumo na conversa com a Maria e o Pés Largos, a par de mais uma partida de vereador, e pronto, pois que já és Senhor há muito tempo e há muito tempo és História viva desta colônia, que quer ser mais do que colônia de Portugal...    

Ela agita a espada,
guarda-a entre o manto e deixa a cena.

 

 

AFONSO SARDINHA

– Eu sei, ó Pés Largos, eu sei que tu nunca me abandonarás, assim como eu não te abandonei nos meus testamentos. E onde quer que eu vá, depois de deixarmos a mina, a capela e o arraial do Byturuna para o Clemente Álvares, que já tem as forjas do Byraçoiaba, eu quero que estejas comigo.

 

PÉS LARGOS

– Sô Afonso, o sô é tão fiel como mim sê fiel a ocê! Ai..., e como mim foi fiel a Afonsinho...

 

AFONSO SARDINHA

– Mas ele não foi fiel a mim nem a ti! E aquele testamento dele no sertão foi um golpe do padre que estava com ele, ai..., isso eu sei, porque sozinho o Afonsinho não tinha como pensar sequer num testamento!

 

PÉS LARGOS

[Abre os braços, depois pega na botelha e bebe mais uns goles de erva mate.]

– O melhó, ora, sô Afonso, o melhó é esquecer Afonsinho. Ma, mim achá que Afonsinho enganou o pade com a história das botelhas cheias de pedra do sol escondidas mim num sabê onde... E mim achá que o pade procura inté ora! É, mim sabe que dói muito. Dói. Ma é como a minha filha: não está acá! E olhe, olhe como a xente do arraial brinca, canta e baila... Xente nossa, contente.

 

AFONSO SARDINHA

[Olhando o povo, ele sorri.]

– É bom ver essa gente contente. É gente que trabalha com muito esforço, eu sei, mas agora tem trabalho e tem lavoura neste arraial de Santa Bárbara, nesta lonjura chamada Byturuna que era só uma mísera aldeia de guayanazes. E o trabalho não vai acabar tão cedo, que a mina tem muito ouro; e depois, ó Pés Largos, depois, mesmo que o ouro se acabe têm a lavoura e têm o algodão, que o algodão já é um bom negócio. É como lá na Carapicuyba... os guayanazes só sabiam de peixe e de raízes, depois que fiz a fazenda de lavoura e pasto, ora sabem o que é vinho e carne assada... que não a deles, claro!!!..., e sabem o que é tanger e ferrar gado. E acá vai ser o mesmo. Pena que o Afonsinho não está acá para dar continuidade a isto tudo... O sangue mameluco levou-o para os abismos da guerra da afirmação na própria terra, e pronto, acabou-se na terra que o viu nascer. Mas tenho a certeza que o arraial do Byturuna ainda será maior, e que outros grandes senhores virão acá, amanhã e depois!

 

 

 

PARTE 3
AFONSO SARDINHA - O VELHO: HOMEM & LENDA.

 

 

 

PÉS LARGOS

– Inté o grande Senhô lá da Capitania respeita ocê, sô Afonso, meu patão. E nun querê os outros que o sô vá pra Câmara outra vez? Intão, iso é bão pra ocê, patão. Inté parece que ocê num existe, patão. Verdá. Verdá. Os nêgos falá de ocê como... como eles falá?... como Deus. É, que ocê é tão de poder que nem o taaaaall Deus. E é verdá, sô Afonso, tamos vêios. Tão vêios que nem sabê mais de horas nem de luas. E ocê num precisá de ir mais nas mina, não, é só falá de ocê que as xentes fica de orelha em pé!

 

AFONSO SARDINHA

 

– Ó raios! Ó, Pés Largos, eu sou homem, não sou o capeta. Tenho que usar a força? Tenho! Mas é assim: ou eu faço cadáveres ou escravos, ou eles me fazem cadáver ou escravo. Não existe escolha. Tive a sorte de não virar nem uma nem outra coisa. Porque cadáver e escravo são a mesma coisa: nada. E é por isso que deves estar contente: não és cadáver nem és escravo, mas uma pessoa da minha família, que a minha Maria preza muito a tua presença, também. Eu sou casado com ela há 60 anos e conheço-te há mais tempo...

 

PÉS LARGOS

– Estamos no sertão ou na vila há muitas e muitas luas, sô Afonso. Mim achá inté que as xentes vê ocê em qualqué lugar. Ah, é o isprito de Afonso Sardinha! É o isprito do patão que mata e esfola quem nun tá com ele!

 

AFONSO SARDINHA

[Tira o chapéu e roda-o nas mãos.]

– É, parece que o meu espírito anda por aí a assustar as gentes. Era o que me faltava ouvir!

 

De novo em cena, a IRMÃ
entra com um pequeno pandeiro e faz-se ouvir.

 

IRMÃ

– Já o velho Gil Vicente dizia que o Brasil é um castigo bom para os judeus, e nós, meu irmão, nós provamos que é uma redenção para os desbravadores. [Toca o pandeiro.] Mesmo nas profundezas do esquecimento o Mundo que fala português vai ouvir falar muito de Afonso Sardinha, o Grande Senhor dos sertões e minas dos campos de Piratinin. [Toca o pandeiro.] Em verdade vos digo, gentes de Portugal e do Brasil, é Afonso Sardinha o homem que fez a Via do Ouro, ora uma lenda viva da nossa história abençoada pela Santa Bárbara acá, no Byturuna!

 

ELA toca o pandeiro.

AFONSO SARDINHA e PÉS LARGOS

juntam-se a ELA e saúdam:

 

  1. Que vivam as pedras do sol!
  2. Que viva o Byturuna deste Brasil que brilha para o Mundo!

 

 

FIM

Byturuna/Araçariguama
São Paulo – Brasil, 2007.

 

 

 

 

AQUI NASCEU O BRASIL

A história do Capitão Sardinha
desde Santos ao Butantã e ao Pico do Jaraguá,
de Carapicuíba a Araçariguama indo até Araçoiaba da Serra.

Teatro de Fantoches em 1 Ato

João Barcellos

 

 

Tema, Personagens & Cenário.

O tema desta peça é a história do Brasil no início do desbravamento do oeste paulista através do comércio, da mineração, dos atos militares e da política de Afonso Sardinha - o Velho. A história tem como personagens um escravo chamado Pés Largos, uma nativa guarani chamada Poty e o próprio Afonso Sardinha. Um[a] Narrador[a] introduz os fatos históricos que os fantoches interpretam vestidos como desbravador [barba com bigode de pontas, chapéu preto, lenço no pescoço, camisa larga, espada e escopeta presas no cinturão], escravo [cabelo escuro e longo preso na cabeça por um barbante] e nativa [cabelos escuros longos, seios descobertos e uma tanga]. Como cenários, uma trilha entre montanhas para a Cena A, o interior de tapera para a Cena B e a visão de uma mina para a Cena C.

 

 

 

NARRADOR[A]

[SOM: cascos de mula, vento e água escorrendo, enquanto o/a NARRADOR/A fala.]

Após alguns anos a viver em Santos, como comerciante e minerador, AFONSO SARDINHA - O VELHO resolve, nos anos 70 do Século XVI, subir a Serra do Mar para desbravar os SERTÕES DOS NATIVOS GUARANIS, DITOS CARIJÓS, a oeste da Vila construída pelos jesuítas. E, quando sobe a serra leva consigo um escravo dito PÉS LARGOS, que o acompanha até encontrarem POTY, a guarani com a qual o comerciante e minerador gosta de descansar antes de entrar nos sertões.
AFONSO SARDINHA, DITO O VELHO é homem rude e sem medo, e já aprendeu a viver a vida difícil dos sertões com o seu escravo PÉS LARGOS. Um dia, subiu a serra para conhecer o padre jesuíta MANOEL DA NÓBREGA aquele que mandou construir a Vila de São Paulo dos Campos de Piratininga e encantou-se com uma nativa guarani chamada POTY. Mas, deixemos este blá-blá e vamos à história, pois, quero dizer-vos como nasceu o Brasil nos sertões do oeste da Vila dos padres jesuítas...

 

CENA A 
trilha entre montanhas

[SOM: cascos de mula, piar de aves e alguns trovões.]

 

PÉS LARGOS     Meu patrão, já estamos no alto da serra, e para lá temos mais uma jornada grande. O melhor é fazermos alto aqui, comer e descansar. Se cair a água que as nuvens anunciam, o melhor é esperarmos aqui.

AFONSO SARDINHA - O VELHO     Ah, se assim o dizes, ó Pés Largos, vamos descansar e dar descanso às mulas também. Subir esta serra é tão difícil que só os fortes conseguem vencer, mas, até chegarmos à tapera da minha Poty, lá na entrada do sertão depois da Vila São Paulo dos padres jesuítas, ainda vamos comer muita poeira, raios! Ou, se calhar, vamos escorregar em muita lama, porque os trovões que já ouvimos dizem de chuva pesada

 

CENA B
interior de tapera

[SOM: guisos, conversas e alguma trovoada.]

 

NARRADOR[A]     Enquanto o patrão e o escravo se arrancham no alto da Serra do Mar, na entrada do sertão que chamam Piabiyu, a nativa Poty sonha com a hora da chegada do seu senhor.

POTY     Ai, meu senhor. Vinde logo. Nesta terra do Butantã onde quereis construir a vossa casa eu quero dar a boa nova. Eu sei que do Butantã ireis para mais longe, quereis as pedras que brilham, e também quereis mais gente nossa para as vossas roças e para tanger o vosso gado. E vós, senhor meu, quereis ainda o poder dos padres, quereis ser o chefe. Sei que vindes ao meu encontro, senhor meu, mas também sei que não sabeis o que é caminhar debaixo desta tempestade. Espera, espera, senhor meu, se arrancha na serra, que eu vos aguardo.

[SOM: trovoada e chuva.]

                 Ih!, como a água cai pesada. Como é bom este cheiro da terra molhada. Como é bom conviver com a terra que é nosso chão. Sim, este chão que vai receber a boa nova, meu bom senhor. Fizestes eu tão fértil como a terra molhada que quereis como vossa casa. Hum, é o sinal que me diz que sereis de vida longa e poderoso chefe, meu senhor!    

 

CENA A
trilha entre montanhas

 

[SOM: trovões e chuva pesada.]

 

NARRADOR[A]     O patrão e o escravo não conseguem descansar debaixo de tanta chuva, que é a mesma que cai sobre a oca da guarani Poty. Estas chuvas, como dizem os jesuítas nas suas cartas, são chuvas que metem medo e precisam de muita terra aberta para escoarem, ou arrasam com tudo o que encontram no seu caminhar para os rios.
                                Os dois estão em uma barraca de pano grosso e cru, uma barraca improvisada, mas saem sempre com os capotes para observarem e aquietarem as mulas.

AFONSO SARDINHA - O VELHO     Ó, mas que carga d´água! Até as mulas estão assustadas... Pés Largos, toma abrigo com o outro meu capote, pois, o melhor é estarmos junto dos animais. Não podemos perder a carga, Pés Largos, não podemos! Ai, mas é mais fácil dar combate aos selvagens dos sertões do que ficar debaixo destas tempestades...

PÉS LARGOS     Estas águas, patrão, são águas que a terra bebe e são boas também para as roças que vai abrir na vila dos padres. Sabe, patrão, fomos recebidos no alto da serra por uma água boa, e a nossa gente diz que quando isso acontece é sinal de boas vindas à gente forte.

AFONSO SARDINHA - O VELHO     Vocês e as vossas crendices! Está bem, ó Pés Largos, espero que assim seja.

PÉS LARGOS     Assim é, patrão!

 

 

NARRADOR[A]     A tempestade durou muitas horas, mas ao amanhecer ambos podem ver que as mulas estão bem, apesar do susto, e logo recebem os arreios.

[SOM: piar de aves e cascos de mulas.]

 

                                   Alegres, patrão e escravo cantarolam enquanto preparam as mulas para a viagem longa e penosa até ao planalto da Serra do Mar, onde passa o rio Jeribatiba que banha a terra Butantã.

 

 

 

AFONSO SARDINHA - O VELHO     Estou ansioso para ver e abraçar a minha Poty, ó Pés Largos.

PÉS LARGOS     Sim, patrão, e ela deve dizer coisas novas.

AFONSO SARDINHA - O VELHO     Como, coisas novas?!

PÉS LARGOS     Ai, patrão... O patrão deitou com Poty da última vez que passamos em Butantã, e ela deve estar a botar na terra gente nova.

AFONSO SARDINHA - O VELHO     Ih, e é verdade. Raios me partam, que eu tinha esquecido... Será que na terra que eu quero para minha casa já brotou sangue novo?

 

NARRADOR[A]     Três dias depois, a comitiva chega em Butantã e, ao avistar a tapera de Poty, o comerciante e minerador faz a mula galopar para poder abraçar a nativa que fez sua mulher.

[SOM: piar de aves e brisa.]

 

CENA B
interior de tapera

 

[SOM: piar de aves, brisa e água correndo.]

 

POTY     Ai, meu senhor.

AFONSO SARDINHA - O VELHO     Como estás, minha Poty?

POTY     Ai, meu senhor. Eu sou a alegria e sou a boa nova. Vinde. Vinde ver a boa nova!   [ela pega um bebê e mostra para o seu senhor]    Eis o fruto da nossa alegria, meu senhor!

AFONSO SARDINHA - O VELHO     Ih, raios, mas é um menino. É um filho-macho! Vem cá, ó Pés Largos, a boa nova que tu falaste lá no alto da serra é um filho-macho.     [o escravo aproxima-se e olha para o bebê que Poty tem nos braços]     Ele vai se chamar Afonso Sardinha - o Moço, queiram os padres ou não. É um filho meu com mulher da terra, e então, é mameluco, mas é meu filho!

PÉS LARGOS     Será forte como o pai. Mas o pai é e será o chefe branco que vai dizer dos rumos que esta terra vai tomar.

POTY     Sim, as águas de ontem disseram isso.    [o bebê chora em meio ao riso do pai]    Ele é a vossa primeira pedra que brilha no planalto, e ele irá onde vós ireis, meu senhor, mas vós sereis o poder e ele gente da terra, apesar de ser vosso filho! Foi o que ouvi das águas...

 

[SOM: rufar de tambores, cornetas.]

 

NARRADOR[A]      Vinte anos depois, os dois Afonsos – o Velho e o Moço – fazem parte das entradas que capturam nativos, tomam aldeias, buscam minas de ouro, prata e ferro. Entretanto, o Velho é dono da fazenda Butantã, da mina e arraial do Pico do Jaraguá, da mina e arraial de Araçariguama, além de ser vereador e juiz de pesos e medidas na Câmara Municipal de São Paulo. É ele quem manda buscar a primeira leva de escravos angolanos para as suas minas do oeste paulista, depois de se tornar Capitão das Gentes de Guerra da Vila Piratininga e acabar com as investidas guerreiras dos guaranis. Nessa época, domina a aldeia Carapicuíba, dos nativos guayanazes e instala fazenda, capela e porto à beira do rio Tietê para uma ligação estratégica entre ele (o Tietê), o Jeribatiba e os sertões. Toda a malha dos caminhos chamados do Piabiyu está sob o seu domínio. Afonso Sardinha - o Velho é o primeiro grande senhor capitalista, político e minerador do Brasil.

 

CENA C
visão de mina

 

[SOM: água correndo, enxadas, conversas.]

 

PÉS LARGOS     Sei que não é fácil perder um filho nas lonjuras do sertão, patrão, mas a vida continua e vós, patrão, sois um chefe branco forte.

AFONSO SARDINHA - O VELHO     Ih, raios, a vida continua. Mas olha, ó Pés Largos, aqui, desta mina de ouro de Araçariguama, eu sei que abri os caminhos certos para que outros prossigam o meu trabalho. Lá na Carapicuíba fiz do portinho a ligação para os dois rios e os sertões, então, as minhas casas são pontos de encontro – ah, como as Koty que a Poty falava, essas aldeias guaranis, lembras?... – para o futuro. Hoje, já posso dizer que o Brasil é mais do que Portugal pela fartura e pela imensidão que vejo sentado ao pé desta mina de ouro onde os araçarys vêm bicar água. Perdi o meu filho-macho, sim, mas ganhei uma terra imensa e um poder que nem o rei de Portugal tem, ou pode sonhar. Eu mando. Eu me fiz capitão das gentes paulistas para abrir os caminhos do futuro que é este Brasil.

PÉS LARGOS     Esta, já não é a terra da minha gente, patrão. Até seu filho, o Moço, dizia que ele sim, ele era a terra nova e era o braço forte da nova nação que vós dizeis ser Brasil. E lá do Butantã e do Jaraguá até à Carapicuíba, se abriu pelos velhos caminhos um novo caminho, e daqui do rio dos araçarys até à terra quebrada da mina de ferro, lá no Araçoiaba, podemos ver de um lado o sul e do outro os paranás que se cruzam além do portinho de Araratiguaba. E tudo pelas pedras que brilham, patrão!...

AFONSO SARDINHA - O VELHO     Sim, tudo pelas pedras que brilham, mas também pelas terras que dão frutos e se deixam pastar, ó Pés Largos. Tudo foi tão grandioso nestes últimos cinquenta anos que até a Sant´Anna de Parnaíba ficou mais poderosa do que a Vila de São Paulo. Também é certo que no nosso expandir se aproveitaram os padres jesuítas e os seus sonhos de império...

PÉS LARGOS     Que o patrão ajudou com dinheiros, terras e escravos, ara...

AFONSO SARDINHA - O VELHO     Tens razão. O que dei para os jesuítas daria de novo. É que eles têm a ânsia da expansão e têm visão de vida organizada. Olha, ó Pés Largos, se não tivesse a ajuda da organização deles eu não chegaria onde cheguei, e eles, sem a minha ajuda, também não. Então, digo que o Brasil nasce com os mamelucos, os capitalistas e militares como eu, e também com gente da terra como tu, ó Pés Largos, que soube perceber nesta expansão uma nova nação. E agora, também os homens e as mulheres de Angola fazem parte desta terra, pois, o sangue é diverso! Tens razão, neste oeste paulista podemos ver o sul da terra quebrada que dizes Sorocaba e os rios que se cruzam além do portinho de Araratiguaba. E aqui, temos tudo o que Portugal não tem: ouro, prata, ferro, gente desbravadora, e, que me perdoe el-rey de Portugal, uma nova nação!

 

[SOM: rufar de tambores, cornetas.]

 

 

Fontes Consultadas

ACERVO DE MARTA NOVAES.  Buenos-Aires, Argentina. 
ACERVO DE JOHANNE LIFFEY. Londres, Inglaterra.
AFONSO SARDINHA: UM LUSO-PAULISTA A FAZER O BRASIL. MACEDO J. C. [1976].
AS ATAS DA VEREANÇA PAULISTANA & AFONSO SARDINHA. PIÑON, Mariana d´Almeida y.
A MINA DO BYTURUNA DOS ARASSARYS. MACEDO, J. C. [1991]
A MINA D´OURO DO VELHO SARDINHA. BARCELLOS, João [2004].
APONTAMENTOS HISTÓRICOS. MARQUES, Manoel Eufrázio de Azevedo, [Apontamentos Históricos, Geográficos, Biográficos, Estatísticos e Noticiosos da Província de São Paulo, seguidos de cronologia dos acontecimentos mais notáveis desde a fundação da Capitania de São Vicente até o ano de 1876.], Martins Ed., SP-1952.
ARAÇOIABA & IPANEMA. SALAZAR, José M., 1997.
ARQUEOLOGIA DE UMA FÁBRICA DE FERRO: MORRO DE ARAÇOIABA – SÉCULOS XVI-XVIII. ZEQUINI, Anicleide. Tese sob orientação da profª drª Margarida D. Andreatta, USP – São Paulo, 2006.
A SUBREPTÍCIA AVENTURA ANARQUISTA DA CONQUISTA DO BRASIL ATRAVÉS DE SAM APULO DOS CAMPOS DE PIRATININGA: OU, O IMPÉRIO DO CAPITÃO SARDINHA. MCEDO, J. C.  Portugal [Lisboa, Évora e Coimbra], 1976.
ATAS DA CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. Sécs. XVI e XVII.
CÂMARA MUNICIPAL DE ARAÇARIGUAMA.
CÓDICE “PAPEIS DO BRASIL”. Biblioteca Nacional de Lisboa / Torre do Tombo.
CÓDICES / INQUISIÇÃO EM COIMBRA E ÉVORA.  Vários documentos. Arquivos portugueses.
BIBLIOTECA DE ÉVORA. Portugal/Pt.
BIBLIOTECA DE SEVILHA. Sevilha, Espanha.
FLORESTA NACIONAL DE IPANEMA. GUTIERRE, Janette. Ministério do Meio Ambiente / Ibama, s/d.
FERNANDA MARQUES. Acervo particular de documentação analítica da obra de João Barcellos.
GENEALOGIA PAULISTANA. SILVA LEME, Luiz Gonzaga da.
HISTÓRIA DA CAPITANIA DE SÃO VICENTE, [´Vila de Parnaiba´ e ´Vila de Sorocaba´], PAIS LEME, Pedro Taques de Almeida [1744-1777].
HISTÓRIA DA ORIGEM E ESTABELECIMENTO DA INQUISIÇÃO EM PORTUGAL. HERCULANO, Alexandre. Portugal, 1852.
HISTÓRIA DA SIDERURGIA DE SÃO PAULO. José Felicíssimo Jr.
HISTÓRIA DO TIETÊ. NÓBREGA, Mello. Col Paulística, Vol 3º; Governo do Estado de São Paulo, 1978.
INQUISIÇÃO E CRISTÃOS-NOVOS. SARAIVA, José Hermano, Lisboa-1985.
JOÃO BARCELLOS. Acervo histórico particular luso-brasileiro.
JOHANNE LIFFEY. Acervo de documentação dos estudos do poeta J. C. Macedo.
MARCHA PARA O OESTE. Cassiano Ricardo. Livraria José Olympio & Edusp, RJ-1970.
MARÍLIA GRUENWALDT. Acervo de mapas e estudos do sertão paulista.
MUSEU PAULISTA.   [USP].   Ipiranga/SP.
O TUPI NA GEOGRAFIA NACIONAL. SAMPAIO, Theodoro.
PREFEITURA MUNICIPAL DE ARAÇARIGUAMA.  Gabinete do Prefeito e Secretaria de Cultura.
REGISTRO GERAL DA CÂMARA DE SÃO PAULO.  Câmara Municipal de São Paulo [Biblioteca]
SÃO PAULO DE PIRATININGA NO FIM DO SÉCULO XVI. SAMPAIO, Theodoro.
THEODORO SAMPAIO.  Arquivo Histórico e Geográfico da Bahia, Arq., manuscritos de Theodoro Sampaio.

 

Escrito na Sampa – a Villa piratininga

 

 

 

JOÃO BARCELLOS

Escritor / Jornalista/ Pesquisador de História / Conferencista

 

     “Há muito radicado nos caminhos da América do Sul, tornou-se um estudioso da Luso-Brasilidade e produziu vários livros sobre o assunto: romances e estudos históricos - um sobre o capitão-general de São Paulo[O Morgado de Matheus, SP-1991] e outros sobre a região cotiana do Piabiyu [Cotia - Da Odisséia Brasileira De São Paulo Nas Referências Do Povoado Carijó, SP-1993; De Costa A Costa Com A Casa Às Costas, SP-1996]. Os seus conhecimentos sobre a sempre presente Cultura Minho-Galaico Sob Referências Célticas permite-lhe alcançar várias rotas de estudos e aprofundar o seu conceito de Ser-Estar Português No Mundo. Filho de família que mistura as linhas de serviço público, tecnologia industrial, comércio, artesanato e literatura, João Barcellos transpõe para os seus escritos essa vivência cultural que aprofundou nas suas andanças jornalísticas - é, assim, um intelectual de vanguarda com bagagem humanística poeticamente assumida!  [OLIVEIRA,Tereza de - artista plástica, poeta; Paris/Fr, 1998]”  /  “O universo que nos cerca, seja o sistema ecológico seja o sistema humano - e, na realidade, o segundo sobrevive sem o primeiro (somos seres solares e lunares, ou cósmicos) -, é o material de base para as ações intelectuais do escritor luso-brasileiro João Barcellos. Ele é o Ser em busca do Ser entre as coisas da Terra e a floresta do Pensamento. Se o Ser Humano é o que é em função da evolução cósmica, João Barcellos é um poeta que escreve com a coragem de Viver esta evolução natural; e por isto, ele Vive em si mesmo a Humanidade que raro encontra nas esquinas do sistema humano. Ele é o Poeta por inteiro na Anarquia do prazer de Viver!... [CÉDRON, Marc  - ecologista, psiquiatra; 1999, Zurich/Ch]”

 

Trabalhos Literários

POESIA E SEIS CONTOS DUM BARALHO SÓ coletânea [1989, SP]; – ESTÓRIAS POÉTICAS  crônicas [1989, RJ]; – TEMPO DE VINGANÇA  romance [1990, SP]; – UM LUSO NA ILHA DE SAMPA  poema; – COTIA as referência de são paulo na aldeia carijó   pesquisa [1991, SP] – UMA CARAVELA DE PRATA  romance [1992, RJ]; – MORGADO DE MATHEUS  pesquisa/ensaio [SP, 1993 e 2000], 2ª Ediç./SP-Br, 2004; Prêmio Clio de História 2004; – COTIA  pesquisa/ensaio; – TEATRO [peças em 1 Ato] ; – DE FERNANDO PESSOA A MACHADO DE ASSIS  ensaio/palestra; – CAMÕES / O POETA DO TEMPO LUSITANO  ensaio [1991, RJ]; – SIDÔNIO MURALHA / O POETA DA VIDA ensaio/palestra; – MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO  ensaio/palestra; – ANTERO DE QUENTAL  ensaio/palestra; – CAMILO PESSANHA  ensaio;  – A CRIAÇÃO POÉTICA  ensaio/palestra [1990/91, Rio de Janeiro e Florianópolis]; – O TROPICAL JOSÉ DE ALMADA NEGREIROS  palestra; – OS DESCOBRIMENTOS  ensaio [Prêmio Pedro Álvares Cabral, 1990 - SP]; - REFLEXÕES SOBRE FERNANDO PESSOA  ensaios/palestras; – A MULHER E A POESIA EM FLORBELA ESPANCA  palestra; – OS CELTAS  ensaios/palestras; – DE COSTA A COSTA COM A CASA ÀS COSTAS     história brasileira a partir de acutia; – OI, COTIA!  / HISTÓRIA PARA CRIANÇAS [com ilustrações de Ricardo Feher]; – O PEREGRINO / A ESSÊNCIA POÉTICA DO SER  ensaio/palestra [Edicon, 1995]; – O PEQUENO PEREGRINO  e outros contos; – ENTRE O POETINHA E O CANTO DAS VANGUARDAS   ensaio sobre Vinicius de Moraes; – CONTOS PARA TODOS  contos para jovens [1995]; – CONTOS  para jovens [1995]; – ESCRITOS ECOLÓGICOS  coletânea de ensaios [São Paulo e Buenos Aires, 1996]; – MÁRIO SCHENBERG / O SER QUE SABIA ESTAR  palestra; – JOSÉ DE ALENCAR palestra;  – O PEREGRINO / Palestra Primeira e Palestra Segunda  [1998]; – TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA / palestra [Ouro Preto/MG,1998]; – AMOR   poesias c/ marc cédron  joane d'almeida y piñon  tereza de oliveira  jb  mário castro [Grupo Granja, 1999];  – RIO / O ROMANCE NA CIDADE  romance; – OUTROS ESCRITOS - poesia, teatro, conto [1998]; – EXUBERÂNCIA E FOLIA NO MAR DE LONGO – poema épico [Rio de Janeiro e Buenos Aires, 1998; reescrito em 2004]; –  CLUBE BRASIL  romance [São Paulo e Buenos Aires, 1992/98]; – O OUTRO PORTUGAL  romance [SP-Br, 2000]; – 500 ANOS DE BRASIL  ensaios-palestras (SP-Br., 2000]; – BAPTISTA CEPELLOS o poeta do drama brasileiro [com ilustrações de Ricardo Feher, 2000]; – OLHAR CELTA; –  ORDEM & SOCIEDADE   [1ª Ediç, 2003; 2ª Ediç, 2004; 3ª Ediç, 2009, Brasil e Portugal];  –  OUTROS POEMAS coletânea; – EDUCAÇÃO & CULTURA  textos vários; –  GIL VICENTE  ensaio  [2001/02]; – PIABIYU ensaio-palestra  [1ª Ediç, 2003];  – COMO SE ENCONTRA RELIGIÃO NA CIÊNCIA  ensaio (2003); –  CONTOS EXEMPLARES  c/ Maria Fernanda Sousa  e ilustrações de Wagner Barbosa (2004); –  SAMPA 450  ensaio-entrevista [2004]; –  HAROLDO DE CAMPOS   ensaio (2004); –  MITO-HISTÓRIA & ÉPICA  ensaios c/ outros autores [Edicon - Br c/ Grupo Granja – Br, Centro de Estudos do Mar - Pt & Centro de Estudos Humanismo Crítico - Pt, 2005]; – BONIFÁCIO / Princípio & Fim Do Império Bragantino-Brasileiro [e-book, TN Comunic, 2005]; – CECÍLIA MEIRELES / A Materna Linguagem Da Vivência [e-book, c/ Rosemary O´Connor, TN Comunic, 2005]; –  ALMA AÇORIANA / No Mundo E No Brasil [e-book, c/ Johanne Liffey, TN Comunic, 2005]; – ESCRITOS LUSO-BRASILEIROS  [em preparação]; –  CONTOS & SONHOS   lij   c/ Johanne Liffey e Márcia Fecchio [inclui o conto “Uma Menina Chamada Koty”];  – POESIA, CONTO & NOVELAS [SP, 2009]; – VIVÊNCIAS sócio-pedagógicas   [A Opinião De Um Professor ]; –  JD NOVA COTIA / Um Bairro De Migrantes; Trabalho Coletivo sob orientação de JB [Edicon & TNComunic, 2005]; – AGOSTINHO E VIEIRA: MESTRES DE SUJEITOS!  [c/ Manuel Reis. Ediç FrenProf. Pt, 2006];  – ATO CULTURAL  sobre as lic´s [Edicon, CEHC & TC Comunic, 2006];  – GENTE DA TERRA o romance da luso-brasilidade [Edicon & TC Comunic, 2007]; ARAÇARIGUAMA – do Ouro ao Aço [Ed Edicon, TN Comunic & Prefeitura de Araçariguama, SP – 2007. Prêmio ´Clio de História´ 2007]; – COMUNICAÇÃO VISUAL [SP, 2008]; – ESTAMPARIA [SP, 2009].

Coleções Literárias  [TerraNova Comunic / Ed Edicon / Grupo Granja / Centro de Estudos do Humanismo Crítico]     DEBATES PARALELOS  Vol 1 [Temas Gerais], 2002; Vol 2 [Temas Gerais], 2004; Vol 3 [Igreja-Estado ou Religião], 2004; Vol 4 [A Palavra Jesuana, Textos Gnósticos & Outras Opiniões], 2007; Vol 5 [´Q´ Jesuânica / Opiniões], 2009.  PALAVRAS ESSENCIAIS  Vol 1 [Políticas Educacionais + Cultura de Raiz = Projeto Nacional],  1ª e 2ª Ediç, 2003; Vol 2 [´Os Lusíadas´ Em Debate], 2004; Vol 3 [Homenagem a Manuel Reis], 2008

Peças Videográficas   A POESIA E O MUNDO, 1988 [Rio, RJ]; O INTELECTUAL E A FAVELA, 1988 [Rocinha, RJ]; A BIBLIOTECA E A COMUNIDADE, 1996 [Paraty, SP];  COTIA: CIDADE CENTENÁRIA, 2006 [Cotia, SP; c/ César Tiburcio]; JD NOVA COTIA: UMA EXPERIÊNCIA LÍTERO-SOCIAL & HISTÓRICA, 2006 [Cotia, SP; c/ César Tiburcio]; ARAÇARIGUAMA: DO OURO AO AÇO, 2006 [Araçariguama, SP; c/ César Tiburcio]; FILOSOFIA & POESIA PELA PAZ, 2007 [Embu, SP, c/ Mariana d´Almeida y Piñon].

   Em outras línguas: ‘Familia, Mercancía & Transnacionalidad / la batalla por la Raíz Social es sobrevivir en Humanidad’ [Ediç. ‘Jeroglífo’, Buenos Aires / Arg., 1989; 2. Ediç., 1991; esgotado]; ‘Concept et Tendance: Politique, Marché des Capitaux et Question  Sociale’, BARCELLOS, João & OLIVEIRA, Tereza de [Egalité / Maison d’Edition, Paris/Fr., 1996];  ‘Liberté Provisoire – Terreur et Politique contre Nous’ [Egalité / Maison d’Edition, Paris/Fr., 1996];  ‘Freedom and Social Ruptures’, essays and poems, published by Cult Journal, Houston/USA, 1998].

     Enquanto leitor crítico, JB escreveu mais de duas centenas de Prefácios e Opiniões; editor, foi responsável pelo jornal O Serigráfico e o Jornal d' Artes, o jornal Tempo de Educar e o jornal Corpus, a par da revista Vida & Construção; editor de Cultura em jornais e rádios regionais; orienta Oficinas de Poesia, palestras em universidades e clubes literários, além de aulas de  português e literatura brasileira; em 2008 fundou a revista Impressão & Cores de conteúdo tecnológico. É membro dos restritos grupos intelectuais “Eintritt Frei” [Berlin/De] e "Grupo Granja" [Brasil e Mundo] e colaborador internacional do “Centro de Estudos do Humanismo Crítico” [CEHC, Guimarães/Pt].  Integrou o grupo que fundou a Associação Profissional dos Poetas do Estado do Rio de Janeiro (APPERJ), é membro do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina / IHGSC e da União Brasileira de Escritores [UBE, SP].  Há cerca de 20 anos, JB tem uma parceria literária com a editora Edicon, de São Paulo.