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JOÃO BARCELLOS

 

 

 

 

 

 

CARAPOCUYBA
CARAPICUIBA

 

O primeiro ponto estratégico pré-bandeirístico,
que ajudou a realizar o Brasil continental a partir
do Oeste piratiningo sob a ação político-militar de
Afonso Sardinha - o Velho.

 

ÍNDICE

 

 

 

Introdução
A história é feita por documentos!

Parte 1
As Origens & Afonso Sardinha - o Velho

Parte 2
Quem Foi Afonso Sardinha - o Velho

Parte 3
Carapocuyba – Aldeia & Portinho

Parte 4
Carapocuyba – Dados Gerais

 

Fotos
do Autor, de comunicação oficial
e de páginas da web.

Desenhos
Traço de J. C. Macedo sobre Afonso Sardinha [o Velho]
Mapas de J. C. Macedo e João Barcellos

Capa & Contra-Capa
Johanne Liffey

 

 

Introdução I
A história é feita por documentos!

 

1
Os documentos falam de uma História que, na maioria das vezes, não é aquela que aprendemos nos manuais escolares e nas cartilhas governamentais. Após estudos que fiz sobre as famosas “doze aldeias fundadas por Anchieta” – na verdade todas elas existiam quando os portugueses chegaram ao planalto piratiningo, primeiro com João Ramalho, e depois com os jesuítas chefiados por Manoel da Nóbrega –, e também acerca de Cotia e de Araçariguama, a par de estudos paralelos sobre a São Paulo jesuítica, dei-me conta de afirmações oficiais acerca de Carapicuiba, do tipo “[...] Mas suas intenções fracassaram e Afonso Sardinha voltou a Portugal”, e que demonstram um triste desconhecimento das raizes nativas e coloniais da região. Ora, Afonso Sardinha [o Velho] veio a morrer na sua fazenda estabelecida no Pico do Jaraguá, em 1614, e não partiu para Portugal em 1590, como dizem as ´fontes´ carapicuibanas, tanto que em 1592 exige e recebe o título de “capitão de guerra das gentes da villa” para tomar de vez o Jaraguá e e afastar para os “campos rasgados” [´sorocaba´] os guaranis que atacam a Villa jesuítica através do Caminho do Sul, o famoso Piabiyu – trilha ancestral e continental daqueles guaranis.
Resolvi, então, pinçar partes das minhas pesquisas – catalogadas pela minha filha como “Brasil: pesquisas piratiningas” –  e preparar um conjunto de dados carapocuybanos para reflexão social e histórica.

2
A desinformação e a ânsia de ´oferecer´, ou ´criar´, uma Estória para identificar uma determinada região, no contexto regional e nacional, gera erros que, às vezes, acompanham gerações e formam uma ignorância publica e politicamente consentida.

3
A única maneira de corrigir tais erros, também eles originados em dados mal estabelecidos por estudos superficiais de outrora, é buscar os documentos que nos falam das pessoas envolvidas na formação geo-social e política da região. Erros como “O padre Anchieta fundou São Paulo” [ele mesmo escreve que “o irmão Manoel da Nóbrega mandou erguer a Casa”], ou “a seriedade política de Pedro II” [a sua inabilidade política causou o fim da monarquia], e esse ´carapicuibano´... sobre um Afonso Sardinha que “voltou a Portugal” fracassado [ora, foi a sua brava caminhada que permitiu o início das ´bandeiras´ e tornou-o o homem mais importante da colônia luso-paulista, naquele momento], são erros que até se transfotrmam em mitos como o “cavalo branco de Pedro I e o seu grito no Ypiranga” [quem gritou de verdade pela Independência foi o deputado Diogo Feijó em 25 de Abril de 1822, nas Cortes de Lisboa]. Eis por que é importante, no estudo sobre a raiz de uma localidade, buscar fontes que se encontram até debaixo do nariz das pessoas... Sim. Uma das principais fontes sobre a História das aldeias e das vilas paulistas está, em parte, no Regimento da Capitania de S. Vicente e nas Atas da Câmara Municipal de São Paulo, onde, por ex., ´o Velho´ Afonso Sardinha foi presidente, vereador e almotacel.
E vamos ao assunto...

 

 

Introdução II
Entre os rios Jeribatiba e Anhamby

 

A)
A estrada fluvial é um dos sinais mais fortes na geo-política colonial quando se fala da tomada da Serra do Mar a partir de S. Vicente e pelo rio que lhe fica em frente – o Jeribatiba, ao lado do Morro das Neves, denominação guayanaz que encontramos também para outro rio, este, no planalto serrano, entre a aldeia Ibirapuera e a Jeribatiba, também chamado de Rio Grande pelos primeiros colonos deslumbrados com a sua sinuosa e larga natureza. Ele encontra-se com outro sinuoso e largo rio – o Anhamby – para constituir a grande estrada d´água doce que vai permitir o estabelecimento da Villa de São Paulo dos Campos de Piratininga a partir da construção do Colégio, em 1554, após uma visita do padre Manoel Nóbrega à região, em 1553, na companhia do luso-americano João Ramalho. Devido à larga utilização do Anhamby na expansão colonial para o oeste do planalto, além sertões e paranás, o Jeribatiba é pouco mencionado como estrada d´água no assentamento dos portugueses na região... mas, a história é outra, pois, antes de os poetas e os políticos cantarem o Anhamby, sobreviveram no cântico cristalino das águas do Jeribatiba: aquele é o rio dos sertões desconhecidos, este é o rio da villa... e, quem liga para o rio que, passadas as aventuras coloniais, é esgoto urbano e nem serve para uma romântica jornada de canoa?!...

B)
Desde a costa africana, entre N´Gola, Moçambique, Mina, Cabo Verde, Guiné e S. Tomé e Príncipe, os cursos d´água são para os marinheiros e aventureiros portugueses as principais entradas nos territórios de outras gentes. Poucos anos antes, exploradores da China haviam feito alguns desses percursos, como aquele que dobra o Cabo da Boa Esperança, ou o que liga o Atlântico ao Pacífico, na América do Sul; esses percursos foram registrados pelo veneziano Fra Mauro em mapa adquirido pelo infante Pedro, duque de Coimbra e regente do Império luso ao tempo da menoridade do rei Afonso, ao qual, em homenagem, dedicou as Ordenações Afonsinas – e, tal mapa foi tão importante que passou a ser o grande segredo d´Estado na corte do rei João II, neto daquele infante Pedro. A primeira frota para a Índia, é preparada por João II com base no Mapa Fra Mauro, mas com a sua morte vem a ser Manuel I o rei que lhe dá continuidade mantendo o Vasco da Gama como almirante. No retorno da odisséia oriental, o almirante Gama dá instruções a Pedro Álvares Cabral para tomar uma porção de terra a oeste de Cabo Verde... Esta terra, vem a ser chamada de Sancta Cruz, e depois, Brasil.

 

1
O primeiro grande caminho fluvial que leva os colonos portugueses a assentarem arraiais no planalto da Serra do Mar e perto da Piratininga que, depois, seria a base física para a construção da sede da futura São Paulo dos Campos de Piratininga, é um curso d´água chamado “atado e de muitas voltas”, ou seja, “encachoeirado”, pelos nativos locais, principalmente guayanazes e guaranis. O nome deriva, pelo som percebido pelos colonos, de “yere-abaty-bae”, que os mesmos traduziam por “jeribatiba” ou “jubatuba”. Seguir o curso do “yere-abaty-abae” é ir na aventura de uma longa e perigosa jornada, apesar da curta distância a percorrer. Eles saem da “mata grande”, ou “ybyrapuera”, aldeia de guayanazes, e fazem-se ao “yere-abaty-abae” com a vontade de conquistar o espaço que Portugal lhe negou: a liberdade de ser e estar em terra própria. E quanto mais longe da Serra do Mar, melhor.
Quando os colonos chegam na foz desse rio, descobrem que adentram outro rio, maior, porém, menos perigoso: é o “anhamby”, que na linguagem geral Tupi significa “água boa”. Este rio tem curso longo e bate o sertão para o sul margeando povos e riquezas até chegar no Rio da Prata. Cedo aprendem que este rio vai para o interior...
O rio é, também, em algumas partes, um obstáculo pantanoso: os colonos, quando chegam ao Vale do Tamanduatey, pegam canoa rumando para a foz no Jeribatiba e, daí, para o Anhamby.
Jeribatiba é um rio emoldurado por bela e densa mata de galeria com muitas palmeiras que os nativos chamam de “jerivá”, o que, mais tarde, levou alguns historiadores a pensarem que o nome Jeribatiba tinha aí a sua origem. Entre grandes concentrações de mosquitos é que as canoas conquistam as suas águas para, entre o portinho da aldeia Carapocuyba e o de Ybyturuna, demandarem o portinho de Araratiguaba com destino aos paranás direcionados para Cuiabá e suas minas de ouro.

Mas, como os colonos se arrancham ao longo do Jeribatiba? Escalada a Serra do Mar, senhores e escravos e cargas dirigem-se para o planalto em canoas através do Jeribatiba que, então, ganha o apelido de “rio grande”. E a Villa jesuítica está logo ali. Para passarem para os sertões do oeste, os colonos navegam o Jeribatiba até ao fim do Tamanduatey, no Anhamby. A jornada não é fácil, apesar de curta...
E é pelo Jeribatiba que a colonização conquista o Piabiyu: entre Ybitátá, Carpocuyba e Koty vem “o Velho” Afonso Sardinha a estabelecer o seu empreendimento estratégico chegar aos grandes sertões das minas de metais mencionadas pelos seus escravos americanos, guayanazes e guaranis. Menos de 50 anos passados, esses caminhos, terrestres e fluviais, vão receber os bandeirantes, e, quatro séculos depois, o Jeribatiba é o eixo do desenvolvimento comercial e agro-industrial do Município e do Estado de São Paulo, desenvolvimento que se estende para o Anhamby.

2
Os portugueses dão continuidade no Brasil às expedições feitas nos caminhos fluviais e florestais da África. Mas, no Brasil, têm a parceria de uns padres que querem construir o seu próprio império: a Sociedade de Jesus [SJ]. Os colonos atuam individualmente e têm em exploradores como Afonso Sardinha, o Velho, a base física e psicológica para alcançarem a independência. Na sua convivência com os jesuítas, liderados por Manoel da Nóbrega, que manda construir o Pátio do Colégio na aldeia de Piratininga, como já o fizera na Bahia e no Rio de Janeiro, homens da coragem do “velho” Sardinha assumem o comando da colonização e tornam-se comerciantes, capitalistas, para-militares, vereadores e caçadores de nativos –  e, no caso de Sardinha, minerador de ouro e prata, vindo a ser o primeiro a forjar ferro na América.

3
É com Afonso Sardinha, o Velho, que o Rio Jeribatiba ganha os primeiros contornos de base estratégica. O que ele faz? Ganha sesmaria para construir uma ponte para acesso das pessoas que vivem em ambas as margens e, com isso, constrói a sua primeira fazenda aqui mesmo, no “ybitátá”; da fazenda segue o curso do velho “piabiyu” [Caminho do Peru] guardado pelos guaranis de linhagem M´Byá, também ditos Karai-Yo [ou: Carijós], quando dá de frente com a aldeia guayanaz chamada Carapocuyba, com portinho para outro rio, o Anhamby, tendo à sua esquerda outra aldeia, mas guarani – a Koty [depois, Acutia, Cotia], que margeia um rio do mesmo nome que desemboca lá no Jeribatiba. “Se eu tomar a Carapocuyba, vou ter acesso ao Anhamby e ao Jeribatiba, e posso chegar logo ao ouro do Ybyturuna, ao ferro do Byraçoiaba, e ao mesmo tempo combater os selvagens para tomar o ouro do Pico do Jaraguá [Jaraguá = Senhor do Vale]”, deve ter pensado. E foi o que fez... Apesar de ser presidente da Câmara de Vereadores de São Paulo, ou simplesmente vereador, Afonso Sardinha, o Velho, tem tempo para se estabelecer como o mais poderoso colono e capitalista luso-paulista, de tal sorte que passa a ser o principal financiador da expansão jesuítica para o sul com doações em gado, dinheiro e escravos, negros e nativos.
A ligação estratégica entre o Anhamby e o Jeribatiba, com o Pico do Jaraguá de atalaia, onde constrói a sua principal fazenda, torna Afonso Sardinha um rei sem coroa, mas com muito poder.

4
Falar dos rios Anhamby/Tietê e Jeribatiba/Pinheiros é falar de Afonso Sardinha, o Velho, e de como, entre 1570 e 1605, ele os liga numa malha social, econômica e militar, para dar sustentabilidade aos percursos que, mais tarde, serão os percursos das bandeiras que demandarão o ouro e as esmeraldas em outros rincões do Brasil.

 

   Os rios que abriram as portas à colonização e ao bandeirismo, nos Sécs XVI e XVII, são os mesmos rios que no Séc. XXI continuam a dar vida à malha social e econômica da grande São Paulo dos Campos de Piratininga, na sua malha metropolitana e estadual.
Apesar dos desvios de curso, principalmente no Butantã/Ybitátá, pontes e mais pontes, obras para navegação comercial, poluição industrial e doméstica sem controle, etc., os dois rios continuam a deixar-nos sonhar com a aventura de ir sempre além.

 

 

 

Fontes Consultadas

AFONSO SARDINHA: UM LUSO-PAULISTA A FAZER O BRASIL. MACEDO J. C. [1976].
AS ATAS DA VEREANÇA PAULISTANA & AFONSO SARDINHA. PIÑON, Mariana d´Almeida y.
ARAÇOIABA & IPANEMA. SALAZAR, José M., 1997.
CÓDICE “PAPEIS DO BRASIL”. Biblioteca Nacional de Lisboa / Torre do Tombo.
FLORESTA NACIONAL DE IPANEMA. GUTIERRE, Janette. Ministério do Meio Ambiente / Ibama, s/d.
FERNANDA MARQUES. Acervo particular de documentação analítica da obra de João Barcellos.
GENEALOGIA PAULISTANA. SILVA LEME, Luiz Gonzaga da.
HISTÓRIA DA CAPITANIA DE SÃO VICENTE, [´Vila de Parnaiba´ e ´Vila de Sorocaba´], PAIS LEME, Pedro Taques de Almeida [1744-1777].
HISTÓRIA DO TIETÊ. NÓBREGA, Mello. Col Paulística, Vol 3º; Governo do Estado de São Paulo, 1978.
JOÃO BARCELLOS. Acervo histórico particular luso-brasileiro.
JOHANNE LIFFEY. Acervo de documentação dos estudos do poeta J. C. Macedo.
MUSEU PAULISTA.   [USP].   Ipiranga/SP.
O TUPI NA GEOGRAFIA NACIONAL. SAMPAIO, Theodoro.
SÃO PAULO DE PIRATININGA NO FIM DO SÉCULO XVI. SAMPAIO, Theodoro.

 

 

Parte 1
As Origens & Afonso Sardinha - o Velho

 

   O nome Carapicuiba pode significar “peixe que não se pode comer”, "pau podre", "aquele que se reúne em poços", e este o mais provável, pois vem do tupi-guarani Quar-I-Picui-Bae, e daí a primeira ´tradução´ “carapocuyba”, que os portugusses fazem para identificarem o ribeirão ´revoltado´ que passa perto da aldeia.
Aqui, a oeste de Piratininga, existe uma aldeia de guayanazes com uma função de extrema importância geo-econômica nativa: a aldeia possui um portinho fluvial nas águas do Anhamby [1], e perto de Koty [2], uma aldeia-tronco dos guaranis que sinaliza as ramificações do Piabiyu [3].
Em meados de 1557, o minerador e mercador e político Afonso Sardinha [o Velho] recebe, em ´sesmaria´, as terra de Ybitátá [4], em troca da construção de uma ponte sobre o rio Jeribatyba [5]; um dos extremos dessas terras toca a área da aldeia de Carapocuyba. Sem ter ainda acesso ao Pico do Jaraguá, o desbravador português e vereador da Câmara de São Paulo dos Campos de Piratininga vê no portinho de Carapocuyba a primeira grande saída para descer ao sul através do oeste piratiningo e dar início à busca do ouro e da prata que os seus escravos guaranis tanto lhe falam; e é assim que ele e o filho [o Moço], já em luta contra outros tupi-guaranis situados no Pico do Jaraguá, faz a abertura estratégica que o levará até ao ouro do Byturuna [6] e ao ferro do Byraçoiaba [7].

   A história pré-bandeirística passa pelo portinho fluvial de Carapicuiba e pela história político-econômica e militar de Afonso Sardinha, o Velho. Mais tarde, já com o Pico do Jaraguá dominado e fazenda ali estabelecida,  ´o Velho´ faz a doação da aldeia-fazenda à Sociedade de Jesus [SJ], assim como toda a sua fortuna.

 

1- Rio Tietê
2- do guarani, q.s. Ponto de Encontro / A Casa de
3- do guarani, q.s. Caminho do Peru
4- Butantã
5- Rio Pinheiros
6- do tupi-guarani
7- do tupi-guarani

 

 

 

Parte 2
Quem Foi Afonso Sardinha - o Velho

 

 

 

 

 

AFONSO SARDINHA
o Velho

 

 

Introdução

   Rústica e de pura sobrevivência, a economia quinhentista e seiscentista no planalto piratiningo tem base na bravura, às vezes sanguinária, dos colonos portugueses, até por que, alcançado o topo da Serra do Mar, não têm outra alternativa que não seja o avanço sobre as aldeias guayanazes [ou tupis, em geral] e guaranis que encontram no planalto e nos sertões do Piabiyu e de Ypanen. É por isso que entre Santos, S. Vicente e Piratinin [antes da S. Paulo dos Campos de Piratinin], nasce um complexo familiar de oficinas de artesanato de peças para a sobrevivência dos colonos. Entretanto, e “...até à chegada dos jesuítas, em 1554, a principal actividade dos colonos é a de embucharem as mulheres nativas, de preferência filhas de chefes tribais, a exemplo do Bacharel de Cananéia [Cosme Fernandes], e de Ramalho, logo seguidos por Afonso Sardinha e outros cristãos-novos fugidos da Inquisição católica ibérica, pois, no seu entender, é preciso marcar presença sanguínea” [Macedo, 1976]. Um dos mais poderosos colonos de entre os Sécs XVI e XVII é o político, paramilitar, mercador e minerador Afonso Sardinha - o Velho, que “negociava com o Reino, a Bahia, o Rio de Janeiro, Buenos Aires e Angola, fabricando e exportando marmelada. Posteriormente, outro Creso da época, o famoso Padre Guilherme Pompeu de Almeida, igualmente produziu milhares de caixinhas de marmelada, que mandava vender em Minas Gerais” [Taunay, 1958]. E pode-se dizer que o grande ciclo luso-paulista se inicia com a abertura de uma nova picada na Serra do Mar, entre S. Vicente e o planalto, na qual já trabalha também o destemido Afonso Sardinha, a colaborar com os jesuítas: é o Caminho de Anchieta.
Instalados na Piratininga, por ordem do padre Manoel da Nóbrega, os jesuítas recebem um apoio de grande relevância: o suporte de Afonso Sardinha, que o dá a outras congregações vaticanas, numa espécie de “mão aberta” incomum, mas que é para ele mesmo de grande valia logística no sonho de chegar às minas dos metais preciosos que tanto escuta nos falares dos nativos. Assim, a expansão jesuítica na Capitania de S. Vicente é feita a par da expansão dos negócios da Família Sardinha, principalmente a de mineração em sociedade com Clemente Álvares, pois, no final do Séc. XVI, Afonso já põe o filho mameluco, dito o Moço, a representá-lo em algumas empreitadas e o acompanha – aliás, a quem repassa a arte da mineração contrariando os seus pares da Câmara municipal paulistana, que haviam determinado que os colonos não poderiam ensinar aos mamelucos [filhos de brancos com nativas] as artes de fabricar peças metálicas, para que essas não chegassem às mãos dos escravos...  Da sua Fazenda Ybitátá à Fazenda Carapocuyba, passando pela Fazenda Jaraguá e o Arraial-Fazenda da Mina de Ouro do Byturuna, além dos arraiais mineiros de Cubatão e de Byraçoiaba, que constitui a primeira Via do Ouro na Capitania de São Vicente, Afonso Sardinha - o Velho, a par da sua atividade de banqueiro [que financia e vive de rendas, a grande atividade judaica] e vereador, é um autêntico imperador nos sertões do Piabiyu [Ybitátá e Carapocuyba] e d´Ypanen [Jaraguá, Byturura e Byraçoiaba], e é dele a maioria das casas alugadas a padres e oficiais do reino em Santos e São Paulo... Obviamente, esse português não chegou pobre à colônia, mas fez dobrar muitas vezes os seus cabedais a ponto de se tornar rei e senhor e exigir abertura política na metrópole para comprar escravos negros d´Angola, enquanto envia anualmente para Lisboa mercadorias em nome da Coroa! 

   Este é o senhor Afonso Sardinha, uma das principais referências da história luso-brasileira no que ao estabelecimento do Brasil diz respeito, nas partes dos sertões da Capitania vicentina, e mais propriamente no oeste da villa de sam paolo dos canpos de piratinin, e desta até Byraçoiaba, onde se abre o caminho para Araritaguaba, o porto [feliz] onde acontecem depois as monções destinadas a bandeirar o Brasil continental.

 

 

Historiográfica

[Estudos realizados entre 1991 e 2007, no Brasil,
finalizando leituras de 1975/76, em Portugal.]

 

 

1553
Após verificar que vários aventureiros, entre eles U. Schmidel, fazem o percurso continental do Piabiyu [na verdade uma vasta rede de comunicações terrestres e até fluviais] e mantêm relações com nativos hostis e com os espanhóis, o governador Tomé de Sousa manda fechar o velho caminho guarani... que nem os jesuítas nem ´o Velho´ Sardinha acatam informalmente.

ca 1555
Atua em S. Vicente e em Santos e faz negócios, inclusive, com os corsários ingleses que, por duas vezes, atacam e saqueiam Santos, principalmente com Cavendish.
É dono de navio[s] em Santos, segundo documentos históricos da Torre do Tombo, em Lisboa, o que demonstra: 1º, que o judeu Gregório Francisco faz a linha Angola – S. Vicente não como dono de navios negreiros, mas como sócio ou capitão a serviço de Afonso Sardinha, e 2º, que este desembarcou na “terra dos brazis” para ser desde logo um poderoso colono nas artes de financiar e viver de rendas, o que faz jus ao histórico de judaísmo convertido ao cristianismo da Família Sardinha da província do Alentejo, no sul português.

1555 a 1557
Atua com os jesuítas na construção do Caminho de Anchieta, paralelo ao Caminho dos Tupiniquins, na Serra do Mar. A nova picada serve os interesses coloniais dos portugueses, mas também a visão sulista dos jesuítas preocupados com a própria expansão territorial ao longo da Linha de Tordesilhas, já um enfeite diplomático.

1557
Recebe a vasta região de Ybitátá em troca [escambo] da construção de uma ponte no Rio Jeribatiba para escoamento de mantimentos essenciais à Villa, e aqui constitui fazenda.

 

Escambo de Carapocuyba

   Toma a Aldeia Carapocuyba dos guayanazes e instala nela Fazenda & Capela aproveitando-se do porto fluvial, tornando-se assim o fundador da Carapocuyba luso-católica.
Na região carapocuybana ele trata apenas de atividades rural e escravagista para alimentar as suas gentes e sustentar a azáfama da semeadura e colheita, respectivamente.
Amigo e financiador dos padres jesuítas, assim como de várias capelas de outras irmandades católicas, faz circular escravos nativos [guayanazes, tupinambás e karai-yos] entre as aldeias que circundam a Villa Piratininga em defesa paramilitar da mesma, porque a maioria dos ataques surge do sertam do Piabiyu, pela região da Koty guarani, fechada por decreto imperial à circulação de gentes e bens.

 

1570
Tem engenho de cana d´açúcar em Santos e monta o primeiro trapiche [depósito] de açúcar e pinga da Villa piratininga. Paralelamente ao comércio de açúcar, monta engenho para processar marmelos e torna-se um dos mais ricos comerciantes de São Paulo.
Tanto no litoral como no planalto tem casas que arrenda a padres e aos primeiros advogados que chegam à colônia. É o judeu por excelência que vive de empreendimentos e de renda.
Nos anos 70 é o colono mais poderoso da Capitania de S. Vicente acima da Serra do Mar e dá-se ao luxo de financiar a expansão dos jesuítas para o sul, a partir do oeste paulista.
Conhece o prático-minerador Clemente Álvares e estabelece sociedade com ele, pela qual financia a busca de novas minas de ferro, prata e ouro.

 

1580
A Importante Sesmaria de 12 de Outubro

   Sabendo da existência de ouro no Pico do Jaraguá, tenta a mineração, mas é impedido pelos nativos, e só depois de 10 anos de guerra consegue a extração do metal precioso, além de instalar no local um arraial-fazenda.
A pedido dos jesuítas e de políticos poderosos como Afonso Sardinha - o Velho, o capitão Jerônymo Leitão, da Capitania de S. Vicente, que possui fazenda em Barueri, perto da Fazenda e Porto de Carapocuyba, determina a doação de uma Sesmaria aos Índios do Pinheiros e de S. Miguel de Ururay, em 12 de Outubro de 1580. A canetada político-administrativa visa assegurar os direitos dos jesuítas e dos colonos luso-paulistas em termos de terras, negócio rural e mineiro, quando a Espanha toma para si os destinos de Portugal. A sesmaria dupla, a formar um feudo enorme, tem base nas fazendas de Ybitátá e Carapocuyba e daí toma os cursos do Jeribatiba [rio Pinheiros] ou do Anhamby [rio Tietê], dependendo da jornada a empreender.
A sesmaria-dupla é um território imenso e as aldeias nativas, ainda sem capela, ficam enquadradas assim no mapa colonial português... apesar de Castela!

 

1585
Faz parte da expedição do capitão Jerônymo Leitão para combater os nativos karai-yos. Ele e o capitão entendem-se muito bem politicamente e têm vários negócios em comum.

1587
Em parte do Rio Jeribatiba, na Serra do Cubatão, faz mineração de ouro e de ferro.

1587- 88
Com indicações dos escravos nativos, parte com o filho [´o mameluco´, ou ´o Moço´] e Clemente Álvares para a região do sertão da Floresta d´Ypanen e descobre ferro no morro de Byraçoiaba, onde vem a instalar fornos do tipo catalão para a iniciar a primeira produção industrial siderúrgica do continente americano a partir, talvez, de 1596-97.

1590
Apesar de existirem ações minerárias na Aldeia Guaru, dos guayanazes, na Serra de Jaguamimbaba, é ele quem opera aqui a maior exploração de ouro.
Manda vir de Angola a primeira leva de escravos para as minas de ferro e de ouro. A encomenda é feita ao mercador judeu de escravos Gregório Francisco, seu sobrinho, com navio de carreira entre Angola e S. Vicente.
Envia regular e anualmente mercadorias para Lisboa em nome da Coroa. É o colono mais poderoso da Villa e do sertão paulista.

1591
Sob indicações dos nativos guaranis e guayanazes, nos campos de Sorocaba, o capitão Belchior Carneiro encontra veios auríferos no Morro do Byturuna, na aldeia guayanáz. Como a Coroa lusa, desde 1580 em mãos dos castelhanos, não faz mineração própria, as minas achadas vão a leilão oficial, e aí, Afonso Sardinha - o Velho arremata a Mina dos Arassarys, no Byturuna, e inicia a mineração com o filho e com Clemente Álvares.

1592
Faz o seu primeiro testamento [13 de Novembro], junto com a esposa Maria Gonçalves, no qual descreve uma grande fazenda sita na região da Parnaíba, que é a do Byturuna [mais tarde adquirida pela Família Pompeu de Almeida e depois doada aos jesuítas]. No registro, o casal fala das várias capelas e igrejas que mandou ´fabricar´, ou subsidiou, e nisso demonstra que não tem santos de devoção própria... é uma atividade puramente social que lhes encobre a identidade judaica.

 

Afonso Sardinha

Indicado como Capitão das Gentes de Guerra de São Paulo
na Câmara Municipal paulistana e na Capitania

   No ano de 1592, diante do perigo de mais ataques de guaranis [karai-yos] e de tupis [guayanazes] à Villa Piratinin, os vereadores solicitam ao capitão Jerônymo Leitão, da Capitania de São Vicente, providências urgentes. Devido à demora das mesmas, e porque Leitão está em guerra contra os nativos nas bandas do sertam da Parnaíba, acontece um fato político de grandeza política e paramilitar:

 

“[...] Aos dous dias do mes de maio do dito anno os offiçiais da camara
se ajuntarão nela e ai aprezentou afonso sardinha
hua provizão de capitão da gente desta villa
e seus termos e requereo aos ditos offiçiais q a mãdasen
registar e elles asentarão q se esperase pelo
snõr capitão q estava de caminho [...]”.

 

   Amado e odiado ao mesmo tempo, enquanto banqueiro e sertanista destemido, Afonso Sardinha é, na última década do Quinhentos, a pessoa mais indicada para resolver a problemática da defesa da Villa. Ele é a essência da “piratinin villa do sertam, onde só segue adiante quem comanda e não é comandado [non ducor, duco]”. Ele sabe disto e apresenta-se no Conselho com uma proposta de defesa. Sabe, também, que nenhum outro poderoso luso-paulista tem a autonomia financeira que lhe dá a liberdade autocrática de decidir por si mesmo [bem no conceito creso das políticas privadas que se fazem pelas públicas]: ele e só ele é a salvação das gentes da villa, e as gentes também sabem disso. Os vereadores não querem fazer o registro da petição de Afonso Sardinha de imediato, mas é o povo que pressiona e, tendo em vista a ´voz de deus´, escrevem na mesma ata:

“[...] pois afonso sardinha era home pª isso
como o dizia a maior parte deste povo [...]”.

   Sem dúvida, o velho senhor luso-paulista enfrenta oposições, tanto de políticos como de outros sertanistas, mas ele é o mais livre dos poderosos locais... e o mais poderoso, tanto que é “dono de navios em Santos”, como está nos documentos “Papeis do Brasil” guardados na Torre do Tombo, em Lisboa.

 

Obs
As atas da Vereança paulistana mostram outra verdade histórica: ao contrário do que afirmam alguns historiadores [?] e até um dicionarista, o mameluco Afonso Sardinha - o Moço jamais poderia ter usurpado o lugar de o Velho, porque o regimento impedia que mamelucos tivessem acesso a cargos institucionais, quanto mais a comando em armas...! Por outro lado, o Registro Geral demonstra que quem recebeu o título de ´capitão´ foi o Velho e não o Moço, o que derruba qualquer tipo de estória sobre o assunto...
No testamento, redigido antes da sua partida para o sertão, e que passou para o Cartório de da Tesouraria da Fazenda de São Paulo, no Séc. XIX, o Velho fala das suas coisas, do seu cargo de Capitão e do filho mameluco, o que põe um ponto final na questão. Também o linhagista Pedro Taques, no seu “Notícias das Minas...”, contribuiu para a confusão de posições entre os Sadinha, pai e mameluco.

   Após o agito político na Vereança, em 2 de Maio de 1592, é ratificada a decisão popular em favor do político, desbravador da Via do Ouro, e banqueiro, em 20 de Setembro:

“Traslado de uma provisão de Affonso Sardinha
de capitão desta villa de São Paulo.
[...] Jorge Corrêa capitão e lugar tenente [...] faço saber
[...] que havendo respeito aos muitos serviços que Affonso Sardinha
tem feito a esta capitania e pela confiança que delle tenho
hei por bem de o encarregar de capitão da gente da villa
de São Paulo e seus termos [...]”.

 

E ainda no mesmo ano:

 

“[...] mando o capitão Affonso Sardinha que em meu
nome vá ao sertão [...]”.

 

E o próprio Sardinha, em cédula testamentária habitual na pré-campanha sertanista de uma entrada de guerra:

“[...] esta cedula de testamento e mando cerrado virem,
como no anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1592,
aos 13 dias do mez de novembro, n'esta villa de S. Paulo do Campo,
Capitania de S. Vicente do Brasil etc. Eu Afonso Sardinha,
na dita villa morador e capitão da gente de guerra,
pelo governador Lopo de Souza [...]”

 

   Obviamente, que o Affonso Sardinha de muitos serviços a favor da Capitania só pode ser o Velho...! Aliás, neste período, ele também é vereador! Os vereadores não podem oferecer Poder a um mameluco, e o Povo, esse, a conhecer um Sardinha, só pode ser o pai Afonso.
E nas Atas, como no Regimento, pode-se ler perfeitamente que o Velho é e está Poder, sendo que o Moço é notícia uma única vez e se registra que “[...] afonso sardinha o moço hera ido ao sertão e levou em sua companhia outros mâsebes e mais de çem índios xpãos”. Assim, está claro que nos últimos 300 anos quiseram fazer esquecer Afonso Sardinha - o Velho dando falsa identidade política e colonial ao filho... Por que o pai era judeu convertido? Se assim foi/é, o filho, mameluco, serviu como argamassa para emparedar ´o judeu´, como fizeram para calar a odisséia colonial de outro judeu: o Bacharel de Cananéia...

 

 

1604
   Afonso Sardinha – o Moço faz testamento no sertão e fala que são suas as minas e que tem 80.000 cruzados em ouro guardados em botelhas de barro... O jovem mameluco morre em confronto com os nativos neste mesmo ano e deixa mulher e duas crianças [Luiza e Pedro], além de um testamento ridículo.

Obs
A cédula testamentária d´o Moço é uma piada histórica, uma vez que ele foi contemplado com tapera e 300 cruzados pelo pai, em 1592, sendo que tudo isso pertencia a Maria Gonçalves enquanto o Velho estivesse nos sertões como capitão de guerra. Entre os vários testamentos feitos no sertão, o d´o Moço, redigido pelo pe João Álvares, é um acontecimento histriônico, e tanto assim que, lavrado, é registrado no Cartório de Órfãos de São Paulo.

 

1605
Com o arraial mineiro do Byturuna dando ouro em pequena escala, mas uma grande fortuna, transforma o arraial em fazenda; e, em 4 de Dezembro de 1605, depois da morte [1604] do filho, “o Velho” instala a Capela de Sta Bárbara, tornando-se o fundador luso-católico de mais um povoado colonial que terá continuação com outras capelas, outras devoções, outros pontos geográficos, e até outros focos de interesse comercial, rural e logístico, sendo particularmente um eixo para o desenvolvimento do jeito de ´bandeirar´ que, a algumas milhas dali, a partir de Araratiguaba [o ´porto feliz´ dos guayanazes], já faz acontecer o Brasil continental!

 

Obs
1   No “anno 1605” não se realizam sessões normais da Vereança paulistana porque os poderosos, latifundiários e para-militares estão ocupados na defesa dos seus bens nos sertões dos guaranis [Piabiyu] e dos tupis [Sorocaba e Ypanen].
2   Tudo leva a crer que o escandaloso “testamento” de ´o Moço´, feito no sertão, em 1604, doeu bem no fundo da alma de ´o Velho´, que passa mais de um ano entre Byraçoiaba e Byturura, e no arraial-mina do Byturuna manda ´fabricar´ a capela em honra de Sta Bárbara, às vezes acompanhado pelo padre jesuíta Antônio da Cruz.
3  A instalação da Capela de Sta Bárbara é da tradição dos mineradores e militares, como dos sertanistas, e no caso da Mina-Arraial do Byturuna, no Arassary´i, a história de Afonso Sardinha - o Velho foi passada oralmente, como já havia acontecido com a Capela ´fabricada´ na Carapocuyba, logo, a História não descarta a Tradição a incorpora-a como registro imaterial pela certeza de que os atos existiram e a arqueologia os mostra, tanto no Parque da Mina de Ouro d´Araçariguama como na Aldeia de Carapicuíba, por exemplo, povoados luso-católicos a partir das ações sertanistas e minerarias do velho Sardinha. A essa tradição não poderia fugir ´o Velho´ Sardinha, até pela proximidade dos padres jesuítas, muito vigilantes nos atos eclesiásticos informalmente desencadeados nos sertões, como a ´fábrica´ de uma ´alminha´ ou de uma ´capela´.

 

   Afonso Sardinha vende a mina, o arraial e a capela do Byturuna, ao sócio-artesão Clemente Álvares, que repassa a informação à Câmara de São Paulo, onde é vereador. A translação é tão verdadeira quanto a declaração do próprio vereador Álvares no plenário do Conselho paulistano.

1615
No dia 9 de Julho, com a esposa Maria Gonçalves, e por estarem casados há mais de 60 anos [o que mostra que ele deve ter chegado ao Brasil, fugido da Inquisição, cerca de 1535, tendo conhecimentos militares e siderúrgicos], faz a doação de todos os seus bens móveis e de raiz, com as terras de Carapocuyba, ao Colégio de Santo Inácio da Villa de Piratinin, mesmo tendo a neta Luiza e o neto Pedro, filhos de ´o Moço´, como continuação da sua família.

1616
Morre na sua fazenda no Pico do Jaraguá sendo depois velado e enterrado pelos padres na capela jesuítica da Villa.

   [A pedra tumular vem a ser encontrada em 16 de Setembro de 1881 e encontra-se no Museu Paulista / Ipiranga.]

   Netos e bisnetos continuam a saga dos Sardinha nas regiões de Mogi das Cruzes, São Paulo, Sant´Anna de Parnaíba e Sorocaba. A neta Luiza casa com o cristão-novo Pedro da Silva, desembargador e ministro, homem poderoso do reino e vai viver no Rio de Janeiro; e Gaspar Sardinha, bisneto, continua a atividade sesmeira de o Velho em várias ações registradas em inventários. Entretanto, nenhum outro Sardinha consegue alcançar o poder político e financeiro que o Velho possuiu.

 

* No seu livro “Apontamentos Históricos...”, Marques de Azevedo, apesar de ter tido contato direto com os testamentos da Família Sardinha, anota um erro comum: confunde o Moço com o Velho e diz que aquele morreu na Fazenda do Jaraguá...

 

 

 

Parte 3
Carapocuyba – Aldeia & Portinho

 

   O desenho do primeiro ciclo da colonização luso-vaticana e espanhola nas margens fluviais do Anhamby [Tietê], dominado pelos nativos guayanazes, e no leito sertanejo do Piabiyu [= Caminho do Peru], aberto e dominado pelos guaranis m´byanos, leva a um nome comum a ambos: Afonso Sardinha - o Velho. Injustamente esquecido pela maioria dos historiadores e acadêmicos, portugueses e brasileiros, ele foi o precursor do bandeirismo e da siderurgia a oeste da Villa piratininga.
Na sua estratégia de conquista dos sertões, ele domina os guayanazes da Aldeia Carapocuyba, em 1557, e instala aí a sua segunda sede fundiária entre o Anhamby e o Piabiyu. Mas, é só por que quer tomar terra e escravos? Não...
Para elucidar esta questão, eis um pedaço da História que os manuais escolares não contam: “[...] Descendo o rio para [...] São Paulo, tocava-se o sítio de Nossa senhora da Esperança com um aldeamento fundado por Manuel Preto, e que veio a ser depois a capela e povoação de Nossa Senhora da Expectação do Ó; deixava-se pouco mais abaixo, à esquerda, o sítio de Embuaçava, de Afonso Sardinha, e podia-se ir até as primeiras lavouras de Parnaíba, se se não preferisse desembarcar no porto de Carapicuíba, ou entrar pelo Jeribatiba para visitar Pinheiros e mais além Ibirapuera [...]”; um pedaço da História contado por Mello Nóbrega citando Theodoro Sampaio.
O que significa isto? Que para ele, ´o Velho´ Sardinha, a conquista dos sertões exige pontos estratégicos tanto fluviais como terrestres. Dois portos fluviais são de importância fundamental: o do Pinheiros, onde tem a sua fazenda Ybitátá, e o do Tietê, lá na Carapocuyba. E, na prática colonial, os jesuítas seguem os passos do político e minerador que, ao morrer em 1616, lhes deixa tudo em doação, com exceção do Sítio Embuaçava, que coube como herança em vida ao filho [mameluco] Afonso Sardinha - o Moço, que morre em 1604 no meio de uma batalha com nativos.
É assim que a Aldeia & Porto Carapocuyba têm, entre 1557 e 1610, tanto valor estratégico quanto a Sant´Anna de Parnaíba, que cresce despovoando São Paulo.
Também por isto, e por que os documentos históricos falam por si, é justo dizer-se que “a definição sócio-colonial de Carapocuyba acontece com a fazenda-porto que Afonso Sardinha estabelece em 1557, após sitiar os nativos”.

 

Fontes

APONTAMENTOS HISTÓRICOS E GEOGRÁFICOS DA PROVÍNCIA DE SÃO PAULO. Manoel Eufrásio de Azevedo Marques. SP, 1879 e 1954.
CARAPOCUYBA. Estudos de João Barcellos. SP, 2009 [não publicado].
GENTE DA TERRA. João Barcellos. SP, 2007.
HISTÓRIA DO RIO TIETÊ. Mello Nóbrega. SP, 1978.
IGREJAS DE SÃO PAULO. Leonardo Arroyo. SP, 1954.
MARCHA PARA OESTE. Cassiano Ricardo. RJ, 1970.

 

 

 

 

Carapocuyba   /   Carapicuiba
TÁBUA HISTORIOGRÁFICA

 

1553   O jesuíta Manoel da Nóbrega visita parte do oeste de Piratininga e determina a construção da Casa e Capela jesuítica na Aldeia Piratininga, enquanto parte das operações estratégicas para seguir na direção sul onde quer instalar o império teocrático. Fica a saber da existência de vários aldeamentos tupis e guaranis ao longo do Piabiyu através de João Ramalho. Entre esses aldeamentos está Carapocuyba com porto para o Ahamby.

1555   Instala-se na Villa jesuítica o capitalista, militar e minerador Afonso Sardinha, dito ´o Velho´. É este desbravador, que faz mineração em Guaru, Cubatão e na Borda do Campo, que quer conhecer  “a aldeia que liga o Piabiyu ao Anhamby”, segundo as informações que obtém dos escravos guaranis, inimigos dos guayanazes que habitam essa aldeia perto da guarany Koty.

1557   Afonso Sardinha - o Velho recebe em ´sesmaria´ [doação de terras do rei através da Capitania de S. Vicente] as terras de Ybitátá em troca de mandar construir uma ponte sobre rio Jeribatyba e facilitar o escoamento dos produtos agrícolas e pecuários que chegam pelo Piabiyu e outras estradas do “sertam dos karai-yos” [ou ´carijós´].

Tomada de Carapocuyba  No mesmo ano de 1557, e interessado em abrir caminho terrestre pelo Piabiyu e fluvial pelo Anhamby, o poderoso luso-paulista toma a Aldeia Carapocuyba e nela estebelece precária fazenda, porque o seu interesse está focado no portinho fluvial.

1590   O ´velho´ Afonso Sardinha determina e manda fazer a ´fábrica´ de uma Capela no centro do que fora a aldeia guayanaz para evangelização de todas as pessoas.

 

Fundação Carapocuybana
No contexto da colonização luso-católica,
o assentamento de uma localidade
só é registrado a partir da
instalação de uma Capela celebrando a cristandade.
Assim, Afonso Sardinha - o Velho
é o fundador colonial da Aldeia Carapocuyba
com Capela registrada em 1590.

 

1592 a 1610    Os tumultos entre nativos e brancos, nas aldeias da região, incluindo Koty e Carapocuyba, criam um clima tenso, mas que vem a se acalmar com a ponderação de alguns fazendeiros que se opõem aos jesuítas, pois são eles que sublevam os nativos contra os colonos.

1770    A aldeia ganha ares de vila. No entorno da Capela são construídas molocas para abrigar pequenas famílias e comerciantes.
Nesta época, a Aldeia de Carapicuiba já é centro de eventos folclóricos de raiz afro-brasileira e chama a atenção, tanto que recebe visitantes de toda a Província paulista e de outros lugares.

1854   1º de Agosto. Barão de Iguape compra terras na região, e na certidão lavrada na Paróquia de Cotia ficam identificadas como Fazenda Carapicuíba. As terras têm 754 alqueires e alcançam Carapicuiba e Quitaúna.     

Obs
Barão de Iguape é um título nobiliárquico criado por Pedro 2º, imperador brasileiro. O título foi concedido, primeiro, a Antônio da Silva Prado [1778-1875], filho do capitão do mesmo e Ana Vicência Rodrigues Jordão, sendo o barão casado com Maria Cândida de Moura Vaz; segundo, a Inácio Rodrigues Pereira Dutra, coronel da Guarda Nacional, em 1876.

 

1875   O desenvolvimento industrial chega a Carapicuiba. A vila entra no traçado da Estrada de Ferro Sorocabana e fica ligada diretamente a São Paulo e às regiões até Itu.    

1903   Delfino Cerqueira compra a Fazenda Carapicuiba.

1921 Fazenda Carapicuiba é loteada em parte sob trabalhos da Cia Construtora Paulista.
            O mesmo Cerqueira contrata, mais tarde, a Wainsten & Cia para demarcar outro loteamento na antiga fazenda e dá origem à Vila Sylvania – nome derivado de Sylvio: Sylvio de Campos, na época advogado da companhia Light; e as ruas centrais foram batizadas com nomes de mulheres da sua família.

1921   A primeira parada do trem é construida e batizada de Sylvania, a 22 kms da Estação Júlio Prestes, na Capital. Na mesma época, como implemento comercial e social, é feita uma linha secundária [desvio] no Km 21 para desembarque de gado para abate. A vila, já com certos ares urbanos, progride mais quando os funcionários da Casa de Abate de Gado fixam residência nas proximidades.
Antigamente, a aldeia desenvolvia-se em tormo da Capela dos colonizadores, mas o progresso muda os rumos e a Estação dos Caminhos de Ferro passa a ser referência social e econômica.

1923   Desfaz-se o velho mundo da Família Sardinha... Assim como aconteceu à Fazenda Ybitátá, sob comando dos jesuítas, a Fazenda Carapocuyba transforma-se em região habitacional.

1928   Basílio [Wlase] Komaroff é contratado pela Wainsten & Cia para topografar a última parte do loteamento da Fazenda Carapicuiba. Com esse trabalho, Basílio conquistou a admiração de Inocêncio Seráfico, um dos propietários da Sociedade Terrenos de Osasco Ltda.

            Com a Família Komaroff inicia-se o assentamento do primeiro grupo de europeus fora do ciclo colonial português. Uma particularidade sociocultural: Verônica Komaroff, filha de Wlase, estabelece a folha jornalística O Municipalista, primeiro jornal de Carapicuiba.        

 

1928   A localidade ganha o estatuto de Distrito Policial.

1928/1930   Também influenciada pelo sucesso hortifrutigranjeiro da Cooperativa Agricola Cotia, a região de Carapicuiba aproveita o trem par uma logística própria: o escoamento do cultivo de batatinhas, cereais, legumes e hortaliças,  castanha e amoras.

   Wada, Ishimaru, Morioka, Iwakura, Tamai, Okada, Kakizaki, Ueta, Sakamoto, Magarifuchi, Arakawa, Tani, Kawazaki Kamyzawa, Guentawa, Iashida, Kunishi, Satomi, Myama, Akyoshi, Yano, Nishizaki, Morizawa, Yamamoto, Hanassumi, Massazumi, entre outras, são famílias nipônicas que se destacam.

 

1930   As Jardineiras. O empresário de transportes Antônio Guerra, ao perceber o crescimento populacional da região, inaugura com 2 ônibus [´jardineiras´] a Linha Barueri-Carapicuiba-Osasco-Pinheiros.

              Comércio & Indústria. A companhia Kenwothy e depois a Fiação Sul Americana foram as primeiras grandes indústrias da região. Com a certeza de uma boa exploração de argila local; instala-se também a Cerâmica Pignatari & Pazini que, no final dos Anos 40 encerra as atividades e a sua planta industrial é aproveitada pela Indústria Nacional de Couros e Afins [INCA] que, por sua vez, fecha as portas no final dos Anos 60.

1931   Extração de Areia. Delfino Cerqueira arrenda parte das suas terras, que margeiam o Tietê, para a comercialização do Lençol de Areia identificado na várzea pelo pesquisador João Velloso.
Depois dos Sardinha e dos Bandeirantes, outro ciclo se abre para Carapicuiba: segundo crônicas de época, a qualidade da areia mostrou a potencialidade de um negócio vasto e duradoiro, e a companhia ferroviária Sorocabana abriu até um atalho [cancela] para o transporte do produto direcionado às lojas de Construção Civil. Mas, algo deixou Cerqueira prostrado: a visão de decadência ecológica. Ao ver as crateras ´lunares´ deixadas pela extração da areia ele resolve impedir aquele comércio.

1936    O que é isso de visão bucólica?... Diretamenmte interessados no comércio da areia, João Velloso Filho e Inocêncio Seráfico promovem ação judicial contra a Família Cerqueira. É o primeiro grande conflito de interesses do mercantilismo imobiliário em Carapicuiba.

1940/1943    Demografia & Ferrovia.  Em torno da estação ferroviária surgiram núcleos habitacionais de emigrantes europeus e asiáticos, mas também de imigrantes: a Colônia Mineira a oeste de São Paulo, instala-se entre Cotia e Carapicuibano, mas é entre os carapicuibanos que se encontra o núcleo mais numeroso.
Lojas e armazéns comerciais surgem no centro carapicuibano. Zamella, Seráfico, Rachides, Toufic, Bueno, Campos, etc., são nomes de pessoas que abrem as portas para a venda de produtos de higiene, construção civil, farmacéutico, pães e doces, vinhos, vestuário e móveis.
O primeiro ponto de comunicação moderna, i.e., o primeiro telefone, é instalado na Casa da Administração, mas logo depois passa para a loja Zamella, ponto de encontro de viajantes e locais, e aí fica instalado até 1968.

Educação & Cultura.   Ophelia Pasini, filha do industrial Virgínio Pazini, torna-se a primeira professora da região e leciona na primeira Escola Rural de Carapicuiba, em 1960. O lazer cultural chega com o construtor João Braz que instala a primeira Sala de Cinema em 1940.

1951   Transporte Municipal. O empresário José Bellato estabelece a primeira linha carapicuibana: da Vila Dirce à Estação.  

              Corporação Musical Carapicuiba. O imigrante mineiro Manoel Raimundo da Cruz funda a banda musical.

1952   É instituída a Paróquia de Nª Sª Aparecida.    

1964   Emancipação. A luta pela emancipação de Carapicuiba da alçada política e administrativa de Sant´Ana de Parnaíba e Barueri ganha força legislativa pela Lei nº 8092, de 1964.

1965   Municipalidade. No dia 26 de Março de 1965, finalmente, Carapicuiba celebra o seu estatuto de Município do Estado de São Paulo.

 

 

Carapicuiba
DADOS

Municipalidade integrada na região da Grande São Paulo, Estado de São Paulo, Brasil.

Demografia/População: 388.532 habitantes [Censo de 2008]
Território: 34,967 km²  
Densidade Demográfica: 11.111,3 hab/km².

Geografia / Altitude: 780 m.
Tem limites com os municípios de Barueri, a oeste e norte; de Osasco, a leste; de Cotia, a sul; de Jandira, a oeste; e São Paulo, a sudeste.
Clima: subtropical. A média de temperatura anual é de 20Cº; o índice pluviométrico anual fica em torno de 1300 mm.
Transportes / TREM   O município é servido pelos trens da Linha 8 da CPTM, contando com duas estações: Carapicuiba e Sta Teresinha.  ÔNIBUS   A cidade também possui 3 empresas de ônibus urbano. ETT Carapicuiba, Viação Del Rey e Viação Osasco. A ETT e a Del Rey fazem linhas municipais ligando os bairros ao centro da cidade e ao acesso a Osasco, além de linhas itermunicipais.

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

BARCELLOS, João. A capela como eixo da colonização luso-católica. Ensaio. Ediç do Autor. Rio de Janeiro, 1990.
--------------------------- O império do Capitão Sardinha. Ensaio. São Paulo, 2009.
--------------------------- Gente da Terra. Romance histórico sobre o Brasil a partir do oeste paulista. Ed Edicon & TN Comunic + CEHC. Brasil e Portugal, 2006.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Expansão paulista em fins do século XVI e princípio do século XVII.  IX Reunião. Instituto de Administração. Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas/ USP, São Paulo (29): 3-23, jun. 1948.
LEME, Pedro Taques de Almeida Paes. Nobiliarquia paulistana histórica e genealógica. Belo Horizonte:Itatiaia/ São Paulo: Edusps, 1990
MACEDO, J. C.  Dos Rios De Sam Paolo Até Ao Brasil Continental & Região Do Prata. Ensaio. Ediç do Autor. Buenos Aires / Argentina, 1997.
MADRE DE DEUS, Gaspar da, frei. Memórias para a história da Capitania de São Vicente. Belo Horizonte:Itatiaia/ São Paulo: Edusps, 1975.
NEME, Mário. Notas de revisão da História de São Paulo: século XVI. São Paulo Anhembi, 1959.
PANTALEÃO, Olga. Fontes primárias para o estudo da História de São Paulo, no século XVI. Reunião XV. Instituto de Administração. Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas/ USP, São Paulo (55):1-27, jan. 1949.